quarta-feira, 11 de novembro de 2009

OS PIORES DEFEITOS DE UM JUIZ

“Se tivesse que decidir sem independência, de cabeça baixa, eu teria vergonha de continuar sendo juiz.” Ex-juiz Livingsthon Machado*
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Os dois piores defeitos de um juiz são a covardia e a desonestidade. Tanto um quanto outro geram uma incompatibilidade insanável com a importante função que desempenham. Vou dar um exemplo onde pelo menos o primeiro deles se manifesta frequentemente.
As "astreintes" são multas processuais impostas pelo juiz à parte que deixar de cumprir obrigação de fazer ou não fazer determinada numa decisão. São, pois, um meio de coagir a parte a obedecer a ordem judicial. São aplicadas por dia de descumprimento e previstas na própria decisão. Assim é que se determina, por exemplo, que uma construtora libere uma hipoteca que grava o imóvel vendido a um cliente em cinco dias sob pena de multa de R$ 500,00 por dia de descumprimento.
O grande problema é quando a multa é prevista mas o juiz não tem coragem de aplicá-la. Aliás, ontem um amigo me ligou informando seu caso particular. Uma empresa do setor financeiro (sempre elas!) inscreveram indevidamente o nome da sua cliente no cadastro de inadimplentes e foi compelida em decisão liminar que antecipou a tutela a retirá-lo em 72 horas sob pena de multa diária de R$ 100,00 no bojo de uma ação de indenização por danos morais. Passaram-se dois meses, intercalados por insistentes pedidos do seu patrono, sem que o banco cumprisse a ordem judicial. A multa acumulou-se no valor de pouco mais de R$ 6.000,00. Foi então que o advogado, cansado de tanto insistir em ligações para o Promovido, peticionou ao juiz requerendo a execução da multa. Como num passe de mágica, após tomar conhecimento do pedido, a empresa, finalmente, cumpriu a decisão. O magistrado "cancelou" a multa por considerar que a mesma atingiu um valor muito acima do razoável.
Ora, vamos analisar com calma a situação. Um grande banco descumpre descaradamente uma ordem judicial, mantendo a conduta que ensejou a ação e os danos causados à consumidora, por mais de dois meses e quem carece de razoabilidade é a multa que foi imposta para compeli-lo, sem sucesso, a cumprir a obrigação imposta pelo juiz? É razoável a atitude do banco? É razoável a leniência do juiz, o seu medo do poderio dos bancos ou de sua decisão ser cassada pela instância superior e "manchar" seu histórico de sentenças ratificadas pelo colegiado?
Esse tipo de atitude (ou falta dela) só depõe contra a independência e o respeito que todos devemos ao Judiciário. Fica a impressão clara que os grandes conglomerados capitalistas não estão sujeitos à lei e que o cumprimento das decisões judiciais decorre mais da necessidade de uma boa imagem institucional da empresa perante a sociedade (que mau exemplo seria o descumprimento de uma ordem judicial, não?), de um favor que eles fazem, do que da imperatividade da lei e da certeza de rigor por parte dos juízes.
É algo como a hipócrita tendência de alguns juízes de mitigarem o valor das indenizações por dano moral com vistas a combater a "indústria do dano moral". E a "indústria do desrespeito ao consumidor" como será barrada?
No caso dos astreintes a falta de coragem dos juízes parece ser um mal crônico e que grassa por todo o país. Porque então continuam a prever essa multas se não as aplicam quando é devido? Até quando o Poder Judiciário vai ser refém (com muitas exceções honorabilíssimas, como o brilhante e corajoso juiz Gerivaldo Neiva - gerivaldoneiva.blogspot.com) do lobby do poder econômico? Até quando vão castrar o idealismo, a coragem e a independência dos juízes que iniciam suas carreiras querendo fazer a coisa certa?
Urge que a sociedade se insurja para destruir a masmorra onde se encerram os mais altos valores que devem inspirar a mente e os corações de nossos magistrados, sob pena de ela mesma ser ali encarcerada.
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Para ler mais sobre o autor do texto citado em epígrafe, acesse a página http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3338/128/

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O MAL E A CURA

"Nada é veneno, tudo é veneno. A diferença está na dose."
Paracelsus
"Ah, voltar de novo à vida! Lançar os olhos sobre nossas monstruosidades. E este veneno, este beijo mil vezes maldito! Minha fraqueza, a crueldade do mundo!"
Rimbaud - Noite no inferno
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Em fevereiro deste ano, por ocasião do 2º Encontro Nacional do Judiciário, os tribunais brasileiros aprovaram um conjunto de metas a serem alcançadas até o final de 2009, como esforço para a superação da crise de prestação jurisdicional eficiente que experimentamos.
Superada a Meta 01, que consistiu na criação e aprovação, por cada tribunal, de um plano estratégico plurianual, passou-se à Meta 02. Seu objetivo é nobilíssimo: “Identificar os processos judiciais mais antigos e adotar medidas concretas para o julgamento de todos os distribuídos até 31/12/2005 (em 1º, 2º grau ou tribunais superiores)”. Ocorre que o método para atingi-lo tem gerado prejuízos tão grandes quanto o problema que busca resolver.
Quem milita nos fóruns de nossa capital, principalmente no estadual, sabe do que estou falando: a Meta 02 é agora a desculpa da moda para a estagnação dos processos, para o péssimo atendimento aos advogados e para a indisponibilidade dos magistrados.
Se você pergunta a um serventuário da Justiça sobre aquele expediente que já está há três meses para ser feito, ele logo pergunta, incontinenti: “É processo da Meta 02”? Se não for, conformar-se é a única saída. Ou enfartar de raiva. Uma expressão de falsa solidariedade sempre surge no rosto do alegre funcionário que tem agora um bom escudo contra esses chatos que querem uma justiça célere. “’Tá pensando o quê? Parece que nasceu de sete meses!”, reflete, inolvidavelmente indignado.
Mas no final do mês, o dinheiro do contribuinte entra na sua conta, inevitavelmente. Para nós, advogados, o difícil é esperar pelos honorários que nunca vem porque o processo nunca acaba. Inevitável também é o aborrecimento do cliente quando seu patrono vai explicar tudo isso. Não lhe tiro a razão pois o absurdo da situação é digna do realismo fantástico de Garcia Márquez.
O que mais me espanta, no entanto, é o conformismo que grassa entre os operadores de direito. Pior do que isso só a falta de atitude do Tribunal de Justiça cujo silêncio eloqüente parece querer dizer: “não tenho nada a ver com isso; estou fazendo a minha parte”.
É postulado ancestral da cultura popular que uma doença grave requer um remédio amargo. Acontece que ele está matando o doente. E ninguém faz nada.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Por uma OAB Democrática, comprometida com a Ética e a Cidadania, aberta à sociedade e aos movimentos sociais.

"Lutar pra nós é um destino –
é uma ponte entre a descrença
e a certeza de um mundo novo." Agostinho Neto


Aproxima-se mais uma eleição da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Ceará. Vários interesses se põem na disputa, sejam confluindo para uma finalidade em comum, sejam se colocando em lados antagônicos. Todavia, queremos colocar nossa preocupação maior com o caráter de “serviço público” que possui a Ordem (art. 44, do Estatuto da Ordem). Quando o Estatuto da Ordem trata de sua finalidade, dispõe, logo no inciso primeiro do dispositivo em referência, que ela tem por finalidade defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os Direitos Humanos, a justiça social.
Inicialmente, é pressuposto para que qualquer Instituição possa cumprir sua função, que possua a independência necessária para tanto. Dessa forma, queremos repudiar qualquer vinculação a outras esferas de poder, além do necessário relacionamento institucional. Não pode a Ordem se apequenar em relações de troca de favores, distanciando de seu verdadeiro papel, pelo qual a sociedade possui expectativa. Isto passa, também, por posicionarmos contra as excessivas trocas de homenagens ao Poder Judiciário, para pessoas em vida, como pela escolha do quinto constitucional, por exemplo. Não deve a Ordem, através de seus representantes, manter uma relação promíscua que depõe contra seus valores históricos. Quem defende o Estado Democrático deve pautá-lo a partir de si mesmo. Por isso defendemos eleições diretas com toda a categoria, para o quinto, visando dar legitimidade à escolha e dificultar que interesses outros venham influenciar de forma decisiva este processo.
Neste sentido, é que também não admitimos que a Ordem sirva aos interesses particulares de quem a compõe. Ela não pode ser usada pelos clientes dos advogados integrantes do Conselho e das Comissões, prejudicando os interesses da coletividade, com os quais a Ordem possui obrigação. Devem, assim, as comissões e o conselho serem compostos por quem tenha espírito público.
A legitimidade da Ordem e o compromisso com uma gestão democrática significa, necessariamente, também, a valorização do papel do Conselho Estadual que deve deixar de figurar apenas formalmente na estrutura da instituição e assumir seu papel estatutário, com o amplo apoio e respeito da presidência.
Sabemos da importância da defesa dos interesses da categoria por parte da Ordem. Contudo, o seu papel não se restringe a este expediente. Claro, o fortalecimento de seus membros é também o fortalecimento da instituição. Mas a Ordem não existe apenas para seus membros, possui uma série de deveres, inclusive, constitucionais, para com a sociedade.
Para nós é muito cara a defesa dos Direitos Humanos. Mas esta defesa não pode se dar de forma abstrata. Deve se dar junto aos movimentos sociais e suas entidades, enfrentando lado a lado as demandas postas, sem medo de enfrentar e superar as nossas contradições. Deve, assim, a OAB não ser tímida ao levantar a bandeira da Reforma Agrária, do Direito à Cidade, do Direito de Greve, do Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, da Função Socioambiental da Propriedade, dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos Direitos Culturais, dos Direitos dos Afro-descendentes e dos Povos Indígenas, contra a discriminação de Gênero, contra a Homofobia, dentre outras. Sobre o Direito de Greve, assunto, ultimamente em pauta, a OAB deve ser por uma negociação direta entre servidores e governos, com a intervenção da sociedade, como determina a Resolução nº 151 da OIT.
Estar junto destas lutas significa estar junto das pessoas que estão nelas, não admitindo a criminalização dos movimentos e de seus militantes. Significa estar junto a quem luta por direitos, pois este é também o papel da Ordem.
Destarte, conclamamos a quem se coloca para cumprir a função pública de ficar a frente da Ordem, que cumpra com altivez, independência e coadunado com seus deveres constitucionais, na Defesa dos Direitos Humanos, buscando justiça social. Assim, é que as advogadas e advogados, com identidade com as causas sociais, assinam esta nota.


1. Adriana Oliveira Pinto, OAB-CE 19.140
2. Alexsandra Fonseca Canuto - OAB-CE 19.771
3. Amabel Crysthina Mesquita Mota, OAB-CE 21.137
4. Ana Stela Vieira Mendes, OAB-CE 20.513
5. Antônia (Toinha) Rocha, OAB-CE 9.429
6. Bárbara Lia Melo, OAB-CE 18.811
7. Camila Vieira Braz, OAB-CE 18.424
8. Carlos Roberto Cals de Melo Neto, OAB 19.988
9. Carlos Augusto Machado Aguiar Junior, OAB-CE 20.155
10. Cecília Parente Pinheiro, OAB-CE 19.065
11. Cynthia Maria Alencar de Carvalho, OAB-CE 21478
12. Daniella Alencar Matias, OAB-CE 17.714
13. Davi Aragão Rocha, OAB-CE 21.452
14. Demitri Nóbrega Cruz, OAB-CE 14.483
15. Edmilson Barbosa Francelino Filho, OAB-CE 15.320
16. Esio Feitosa Lima, OAB- CE 11075
17. Francisco de Assis Costa Aderaldo, OAB-CE 14.873
18. Francisco Cláudio Oliveira Silva Filho - OAB-CE 20.613
19. Geovani de Oliveira Tavares, OAB-CE 7.854
20. Gustavo César Machado Cabral, OAB-CE 20.672
21. Henrique Botelho Frota , OAB-CE 18.477
22. Isabelle de Castro Maciel, OAB 18.323
23. Jairo Rocha Ximenes Ponte, OAB-CE15.869
24. Janaína Malveira Teixeira, OAB-CE 18.412
25. João Alfredo Telles Melo, OAB CE 3762
26. Prof. José de Albuquerque Rocha, OAB-CE. 5.312
27. Larissa Fernandes Gaspar, OAB-CE 19.345
28. Marcelo Pessoa Pontes, OAB-CE 17.715.
29. Marcio Alan Menezes Moreira, OAB-CE 18.728
30. Magda Maria Luz. OAB-CE Nº 14765
31. Magnólia Azevedo Said, OAB-CE 3.284
32. Márcia Cristina Leitão Pimentel, OAB 18.430.
33. Marcia Maria dos Santos Souza, OAB-CE 13.611
34. Márcio José de Souza Aguiar, OAB-CE 15.941
35. Marcus Giovani R. Moreira, OAB 12.393
36. Maria de Lourdes Vieira Ferreira, OAB-CE 19.807
37. Mário Ferreira de Pragmácio Telles, OAB/CE 19.624
38. Nadja Furtado Bortolotti OAB-CE 16.514
39. Nayanna Goes Gomes de Freitas, OAB- CE 13.800
40. Paula Regina Araújo OAB-CE 20.329
41. Patrícia Kelly Campos de Sousa, OAB/CE 12.930
42. Patrícia Oliveira Gomes, OAB/CE 20.594.
43. Pedro de Albuquerque Neto, OAB-CE 16.224
44. Renato Roseno de Oliveira, OAB-CE 14.906
45. Rodrigo Barbosa Teles de Carvalho OAB-CE nº 19.845
46. Rodrigo de Medeiros Silva, OAB-CE 16.193
47. Rodrigo Vieira Costa, OAB-CE 20.101
48. Thiago Câmara Loureiro, OAB-CE 19.245
49. Victor Hugo de Freitas Leite. OAB-CE 17.299
50. Vládia Lima Verde Araújo, OAB-CE 19731
51. Walber Nogueira da Silva, OAB-CE 16.561

Aderem também ao texto da Nota:

Deodato José Ramalho Junior, OAB-CE3.645 (advogado licenciado)
Janduy Targino Facundo , OAB-CE 10.895
Marcelo Ribeiro Uchôa, OAB-CE 11.299
Paulo Afonso Lopes Ribeiro ,OAB-CE 7.298
Stênio Gonçalves Silva, OAB-CE 10.727

Eleições da OAB/CE: nova conjuntura e posição atual dos advogados populares

No post anterior fiz algumas observações acerca da atual situação da advocacia cearense e da conjuntura para as eleições da OAB-CE. De lá para cá, reunimo-nos alguns advogados ligados aos movimentos populares (inclusive o amigo Edmilson Barbosa) para ampliar essa discussão e debater a possibilidade de lançar mão de uma candidatura que representasse os anseios dos que entendem que a OAB deve aproximar-se dos movimentos sociais, afastar-se da relação promíscua que mantém com o poder, comprometer-se com a ética, a defesa da minorias, os direitos sociais e ser independente e altiva.

No bojo de tais discussões, foi anunciada a desistência do Sr. Hélio Leitão em concorrer a um inaceitável terceiro mandato, decidindo o mesmo apoiar o advogado ERINALDO DANTAS. Chegamos a duas conclusões: a) a exigüidade do tempo não nos permitiria trabalhar uma candidatura própria, o que, do ponto de vista prático, apenas serviria para dividir mais ainda os votos, não obstante o debate que surgisse fosse realmente salutar; b) o advento de um novo nome em oposição ao Valdetário, no caso o Dr. Erinaldo Dantas, poderia dar ensejo a apoiá-lo, desde que houvesse comprometimento com as idéias do grupo.

Com efeito, um possível apoio à candidatura de Erinaldo Dantas, situação que deve ser definida nesta semana decorre de um apoio programático e não em função de cargos, não obstante esses sejam importantes para a concretização dos compromissos porventura assumidos.

Por outro lado, consolidando-se esse apoio temos mais chances de evitar a eleição do Sr. Valdetário, o que, na nossa opinião representaria um retrocesso histórico imenso e poderia causar estragos irreparáveis na instituição e na sua relação com a sociedade, além de representar o fim dos resquícios de independência da OAB.

O Erinaldo é um profissional que conheço pessoalmente. Tem demonstrado até hoje ser um homem sério e de palavra. Não sei se é de esquerda, mas certamente é avesso a certos expedientes que depõem contra a dignidade dos operadores do Direito. Por outro lado, compromissado com a ética e com a honestidade, deve dar espaço ao avanço que almejamos para a Ordem, mormente na sua aproximação com a sociedade, na defesa dos direitos das minorias, do meio ambiente, dos direitos sociais e na sua independência.
A aderência ao manifesto que grupo lançou e que deverá ser publicado aqui em breve é condição necessária para o apoio à sua candidatura.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

AS ELEIÇÕES DA OAB/CE

A sucessão da OAB-CE é o assunto do momento. As matérias pagas, com artigos dos pretensos candidatos são veiculadas em profusão. Os cafés da manhã, os almoços e os jantares-manifestos ocorrem nos quatro cantos da cidade. Ou melhor, nos quatro cantos das zonas ditas nobres da nossa capital. Quero ver se fazem um rega-bofe desses lá no Pirambu, no Jangurussu ou no meu Jardim América! Engraçado: esses senhores devem achar que todos os advogados moram na Aldeota e adjacências.
O fato é que se nos apresentam, embora extra-oficialmente, duas candidaturas: a do atual presidente Hélio Leitão e a do presidente da CAACE, Valdetário Monteiro. Mas apesar da aparente dicotomia existente entre os dois “virtuais” candidatos que ora se digladiam pelos votos dos famintos (em todos os sentidos) colegas, nenhum deles representa a advocacia que realmente milita no Estado, nem estão imbuídos de levar adiante a missão institucional da Ordem.
O Dr. Hélio Leitão, não obstante ter realizado uma boa gestão a frente da Ordem, avançando em muitas questões, falhou em pontos cruciais. E não tem nem a desculpa de não ter tido uma segunda chance, já que está no segundo mandato e tentando o terceiro. É um homem extremamente afável, educado e, pelo que sei, honesto. Ocorre que talvez seja afável demais. Nas suas duas gestões pecou na defesa das prerrogativas profissionais e no posicionamento frente a determinadas questões não corporativas. A meu ver, indiscutivelmente, já prestou sua contribuição, mas um terceiro mandato depõe contra sua coerência e contra um primado básico da democracia burguesa: a alternância de poder. Deveria apoiar outro nome, que assumisse o compromisso de avançar nas questões em que foi omisso.
A defesa das prerrogativas dos advogados é dever fundamental de um presidente da OAB. Não uma defesa que se contente em pedir respeito, mas em exigi-lo de forma intransigente e contundente, sem aquele excesso de diplomacia que se confunde com medo e submissão. A forma extremamente tímida e pouco altiva como a atual gestão da OAB tem agido nesta seara dá margens a questionamentos sobre a sua independência e nos põe em uma situação de desamparo inconcebível com a dignidade de nossa profissão. E mais: com todo respeito a magistrados e promotores, fico indignado quando vejo a OAB homenageando desembargadores e procuradores de justiça que, muitas vezes, atentam contra os direitos dos advogados. Quem merece homenagem é o advogado que bate perna no fórum lutando contra a costumeira morosidade do Judiciário, do Ministério Público e contra a preguiça de muitos de seus membros. No que tange à participação da OAB-CE nos debates que interessam à sociedade alencarina essa é sofrível. Na maioria das vezes resume-se a uma nota oficial em algum periódico. Só para citar dois exemplos, é só analisar sua atuação frente à greve dos servidores do TJCE e dos servidores públicos municipais. Em ambos os casos a OAB ficou em cima do muro, com o frágil discurso de que serviria de mediadora do embate. Ora, é dever institucional da Ordem a defesa intransigente da legalidade. Ambas as greves são absolutamente legítimas e visam a implantação de benefícios assumidos publicamente pelo presidente do Tribunal de Justiça e pela Prefeitura, respectivamente. Ambas nada mais pleiteiam do que a lei lhes garante. É fácil posicionar-se diante dos dois casos: a OAB deve ficar ao lado dos trabalhadores daquelas categorias e exigir o cumprimento da lei e dos compromissos firmados. E deveria gritar isso em alto e bom som!
No que tange ao Valdetário Monteiro, só tive a oportunidade de encontrá-lo uma vez. Nada tenho contra ele pessoalmente. Aliás, aqui abro um parêntese importante. É impressionante esse constrangimento que muitos tem – inclusive eu, assumo – de contrariar opiniões de conhecidos ou colegas de profissão, com medo de levar-lhes a crer que trata-se de uma rinha pessoal. Acho que isso vem do fato de sermos ainda uma cidade por demais provinciana; um ovo, para usar uma metáfora bem conhecida. Nesse caso, nada existe de pessoal. Quem quiser entender isso, ótimo; para quem não quiser, isso realmente não me preocupa. Bom, voltando ao ponto principal, o Valdetário fez parte dessa gestão e a CAACE cresceu em visibilidade e alcance de forma irrefutável. Mas esses benefícios não são uma garantia de que suprirá as deficiências da atual gestão, da qual, repito, faz parte. Não imagino e tenho certeza que jamais verei o Dr. Valdetário se posicionando veementemente e com ações concretas contra os abusos dos planos de saúde, contra os sonegadores fiscais, contra os expedientes nefastos dos grandes grupos empresariais do Estado, contra as inúmeras ilegalidades das grandes instituições financeiras e das seguradoras, contra os crimes contra o consumidor perpetrados pelas operadores de telefonia. Como esperar isso se muitos deles são seus clientes? Nos pontos citados como falhas do Dr. Hélio Leitão, acho até mais fácil que esse fizesse alguma coisa num eventual terceiro mandato do que o Dr. Valdetário realmente fizesse algo “pra valer” (perdão pelo trocadilho pouco criativo), ainda mais quando se analisa o perfil extremamente conservador do grupo que o apoia.
Em suma: são ambos candidatos que defendem o status quo, que não farão, nem desejam mudanças reais nos rumos que a advocacia e seus profissionais tomaram, nem estão interessados em transformar a nefasta realidade social que nos cerca. Qual destes senhores, por exemplo, terá coragem de se opor à forma predatória com que os grandes escritórios locais, nacionais e até internacionais avançam sobre os clientes dos pequenos advogados.
É preciso um novo nome, comprometido expressa e firmemente com aqueles valores dos quais se ressentem ambos os candidatos da situação. Sim, porque, na verdade, ambos são candidatos situacionistas. Os advogados “de carne e osso”, os que não são “figurões” ou empresários da advocacia, ou seja, a sua esmagadora maioria desejam alguém que os represente, que tenha coragem e altivez para conduzir a OAB pelo caminho do qual nunca deveria ter se desviado: a defesa dos advogados na sua labuta diária; a luta contra as injustiças sociais, contra a força do poder econômico em sua relação incestuosa com os poderes constituídos; a peleja contra a morosidade do Judiciário e do Ministério Público e contra os abusos de seus membros; a defesa intransigente do povo e de seu patrimônio.Não gosto de meias palavras e por isso já tenho meu candidato: EDMILSON BARBOSA FRANCELINO, jovem advogado, mestre em Direito, professor e escritor de obras jurídicas. Seu nome nada tem de personalismo. Não visa enriquecer às custas de um mandato à frente da Ordem. Ele representa um modelo de OAB, um projeto de gestão institucional e não um projeto de poder. É um dos milhares de advogados que padecem com as mazelas da justiça, que se furta de horas de convivência com sua família para defender o direito de seus clientes, que não faz a advocacia de gabinete, não é lobista, nem é dado a ser “arroz de festa” nos salões do poder. Esse é o único nome com os predicados para ser presidente da OAB entre os que ora se apresentam. E por isso, faço campanha aberta por ele, sem os pudores que muitos tem, por medo de se envolver. Faço isso por que comungo com o medo de Martin Luther King. Dizia ele que não lhe assustava a gritaria dos maus, mas o silêncio dos bons. E o Edmilson não é afeito ao silêncio diante das arbitrariedades e da injustiça e por isso tem meu voto.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

De repente, saudade

Hoje bateu uma saudade danada da querida Faculdade de Direito da UFC, a velha Salamanca. Na verdade, tenho saudade mesmo é dos que por lá circulavam, do burburinho das idéias, das revoluções por minuto, do movimento estudantil, dos debates profundos e da conversa jogada fora na Cantina do Dão, no pátio do prédio velho e nos bares adjacentes e nos nem tão adjacentes assim. Bebida para o corpo, poesia para a alma: binômio indispensável pelos adoráveis boêmios que abundavam naquela casa.
Li há muitíssimo tempo uns versos do Bandeira que achei incríveis. Não sabia o porque de sentir que eles diziam algo para mim. Só hoje percebi que eles tem muito a ver com essa nostalgia sempre latente que, de vez em quando, aflora intensamente.

Mas meu quarto vai ficar
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências
Vai ficar na eternidade
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!
(Manuel Bandeira - Última Canção do Beco)

É assim que funciona a lembrança daquele tempo. Eu não existia nele, mas ele em mim. Ainda bem, pois assim jamais morrerá.

Cheguei à óbvia conclusão que o lugar não muda, nem mesmo seu "espírito". As pessoas é que mudam. A Salamanca não envelhece, não deixará de ser campo fértil para idéias e sonhos. Nós é que envelhecemos.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

DIAS DE LUTA

"Então não pude seguir
Valente em lugar tenente
E dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente..."
(Geraldo Vandré/Theo de Barros)
Dia desses recebi uma sugestão de minha queridíssima comadre Janaína (que saudade d’ocê menina!). O seu sorriso e otimismo característicos, próprios de quem tem “a estranha mania de ter fé na vida”, atravessou o Brasil via internet e fez seu compadre refletir. Disse a minha amiga que eu não poderia esquecer os bons exemplos que ainda teimam em nascer no solo árido do egoísmo que grassa mundo afora.
Pois bem, uma notícia alvissareira agitou a nossa capital ontem: a aprovação, pela Câmara Municipal de Fortaleza, de um projeto de lei de autoria do vereador João Alfredo (PSOL) que cria a Área de Relevante Interesse Ecológico do Cocó. Com 27 votos favoráveis, o projeto determina a transformação de um terreno particular no Cocó, numa área de efetiva proteção contra a especulação imobiliária e financeira. Será proibida a construção de edifícios, vias públicas e demais equipamentos urbanos no perímetro do parque formado pelas avenidas Padre Antônio Tomás, Sebastião de Abreu e pela Rua Magistrado Pompeu, sendo permitidas a exploração do turismo ecológico e esporte de baixo impacto ambiental.
Talvez tão importante quanto a lei em questão, foi o seu processo de aprovação: ele se deu em razão da mais legítima pressão popular. O lobby das construtoras, dos predadores do turismo destrutivo, dos especuladores financeiros e empresários inescrupulosos, tentou atrasar a votação do projeto e impedir a sua aprovação. Esforço inútil! A resposta foi dada ontem, no dia 24 de junho de 2009, num dia emblemático para o movimento ambientalista e para o nosso povo.
Mas a sessão de ontem foi apenas o desfecho de uma luta que começou no final de 2008, quando um grupo de moradores da Cidade 2000 decidiu se opor à devastação das dunas do Parque do Cocó que vinha sendo promovida por uma imobiliária. Começava ali uma série de batalhas judiciais, pressões políticas e ameaças pessoais contra os integrantes do movimento que passou a se chamar “Salve as dunas do Cocó”. Felizmente essa ação gerou uma reação favorável ao movimento por meio de blogs, lista de e-mails, boca-a-boca e panfletagens. Tudo isso culminou com a chegada às mãos do Vereador João Alfredo de um abaixo-assinado de quase 3.000 cidadãos fortalezenses contra a destruição daquele patrimônio ambiental. Aí começou a luta dentro do parlamento. Com a má vontade que era de se esperar, as discussões travavam, os pareceres demoravam a sair, cada passo do trâmite do processo tinha a dificuldade de um parto. Mas a pressão popular forçou os vereadores a votar ontem o projeto e o povo exigiu sua aprovação pelos seus representantes, lotando o plenário da Câmara. Alguns vereadores devem mesmo ter votado temendo a fúria popular e tiveram que engolir à força o projeto. E que assim seja! Que temam mesmo! Até da covardia pode-se tirar algum proveito. Mas creio que a maioria dos que votaram o fizeram convencidos da necessidade de respeitar a inolvidável vontade dos fortalezenses.
Como foi dito acima votaram a favor do projeto 27 vereadores. Votaram contra, anotem aí (e não esqueçam): Carlos Mesquita, Magali Marques, Paulo Gomes e Marcos Teixeira; todos do PMDB. Abstiveram-se de votar, o que dá no mesmo: Casemiro Neto (DEM), Marcelo Mendes (PTC, ironicamente ex-titular da Secretaria do Patrimônio da União), Dr. Ciro (PTC), Pastor Gelson Ferraz (PRB) e Vitor Valim (sim, aquele mesmo que posa de bom-moço-indignado num terrível programa “policial” local). Para esses não tem desculpas, por mais que tentem. Se votaram contra ou se abstiveram é porque estão contra o povo e ao lado – e a serviço - dos especuladores e dos grandes grupos econômicos locais. Simples assim.
Aos que votaram a favor, nosso reconhecimento é devido. Parabéns, principalmente, aos cidadãos de Fortaleza. Uma luz tênue surge nas trevas do modelo republicano vigente, numa retomada, ainda que tímida, do espírito que o originou. Pelo menos por um dia, o poder foi, efetivamente, do povo.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Tempos sombrios

Realmente, vivemos tempos sombrios! A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas denota insensibilidade. Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia que está para chegar. Que tempos são estes, em que é quase um delito falar de coisas inocentes, pois implica silenciar tantos horrores? (Brecht)


O Superior Tribunal de Justiça editou recentemente três novas súmulas que envergonham os que acreditam na justiça: são as súmulas 379, 380 e 381.

Todas versam sobre direito bancário e seus respectivos contratos. E todas parecem ter sido redigidas pelos próprios banqueiros, pois representam seu “sonho dourado”.

Reproduzo-as aqui, com o antecipado pedido de desculpas àqueles que tem estômago fraco:

Súmula 379: “Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser fixados em até 1% ao mês”.
Súmula 380: "A simples propositura da ação de revisão do contrato não inibe a caracterização da mora do autor".
Súmula 381: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”.

A primeira súmula tapa o sol com a peneira. Aparentemente limita a aplicação de juros e combate a monstruosa voracidade das instituições financeiras mas, se lermos com mais calma, percebemos que tal impressão é uma miragem fugidia. Ora, os contratos bancários mais importantes e utilizados são regidos por legislação específica, como o de arrendamento mercantil (leasing), por exemplo. Ou seja: o STJ dá com uma mão e tira com a outra. Ponto para o lobby dos banqueiros!

A segunda súmula me deixou pasmo. Na verdade, fiquei realmente indignado com o que pode a força econômica fazer com o direito. Dobraram-no, violentaram-no, a ferro e fogo, até que ele se adequasse, completamente desnaturado de sua essência, aos interesses das grandes instituições financeiras, que já lucram bilhões de reais por ano. Ora, se o cidadão se vê violentado em seu direito diante de um contrato leonino, com cláusulas abusivas, que o impossibilita mesmo de honrar com suas obrigações contratuais, a quem ele deve (ou pelo menos deveria) recorrer senão ao Poder Judiciário? E com que intuito o faria senão o de demonstrar sua irresignação frente aqueles abusos e resguardar-se das penalidades da mora? Só que agora não dá mais. O contrato pode ser flagrantemente abusivo, mas até ser julgado o mérito da ação o pobre do consumidor terá de cumpri-lo pontualmente sob pena de incorrer em mora e dar causa a resolução do contrato com culpa. A saída é buscar a tutela cautelar demonstrando os requisitos necessários para a sua concessão, mas mesmo assim é indisfarçável a decisão do STJ foi redigida com a tinta da caneta dos banqueiros.

Agora, a que causa mais estranheza mesmo aos desacostumados com as lides jurídicas é a Súmula 381. Ela impede que o julgador identifique as cláusulas abusivas em um contrato se a parte não as apontar. Em outras palavras, a súmula obriga o juiz a se fazer de cego. Mesmo que a ilegalidade do contrato seja flagrante o magistrado tem que disfarçar e fazer de conta que não a viu. Risível, para não dizer surreal. Lançaram ao fogo o milenar brocardo latino “da mihi factum, dabo tibi jus” - exponha o fato e direi o direito. Aliás, lançaram ao fogo também o dispositivo legal que consagra a velha máxima latina, qual seja, o artigo 282, III, do Código de Processo Civil. Esqueceram (?) os ministros que o referido Código adotou a Teoria da Substanciação em oposição à Teoria da Individualização. Aquela dá mais importância aos fatos relatados que à relação jurídica invocada, sem engessar a pretensão autoral aos dispositivos legais citados expressamente em clara homenagem à instrumentalidade do processo.

Não me assusto mais com nada oriundo do Poder Judiciário brasileiro. Apenas me pergunto o porque de alguns ainda chamarem o STJ de “Tribunal da Cidadania”. A não ser que o termo cidadão, agora, seja sinônimo de agiota, banqueiro ou especulador financeiro.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

DIAS DE CHUVA

E regaram as flores
Do deserto
E regaram as flores
Com chuva de insetos (O Rappa)
Chove muito hoje. Não sei porque costumam qualificar de lindo um dia de sol, enquanto ao tempo nublado reservam tanto rancor. É lindo um dia chuvoso! É verdade que muitos temem pela própria vida quando chove torrencialmente como essa manhã. Esse é o caso dos moradores das áreas de risco.

Mas não estou falando desses e sim da classe média escrota de Fortaleza. Repito: que povo escroto! O dia de chuva, para esses, estraga-lhes o lazer no Beach Park. Para quem não é daqui eu explico: o Beach Park é um bom pedaço da praia que foi privatizado por uns caras, de forma que só quem paga pode entrar...na praia. É isso mesmo: eles compraram uma parte da praia. Mas terreno de marinha não é inalienável? Pois é, mas isso não é nada: o próprio ex-governador está construindo um monstro de concreto armado dentro do mangue, onde, aliás, ele também já tem um shopping. E isso me faz sair do meu devaneio e voltar ao assunto principal.

Na chuva, só resta àquela classe média escrota passear escrotamente nos shoppings e comprar coisas escrotas. Principalmente as mulheres gostam desse entretenimento salutar.

Perfumadinhas, muito pó na cara para esconder a herança tabajara, apetrechos mil para camuflar a proeminente cabeçorra, calças da moda compradas por uma fortuna de um lojista que as adquiriu de uma fábrica em Maracanaú por R$ 10,90 cada; elas passeiam pelos shoppings belíssimos da capital, torcendo o nariz para tudo, com o indisfarçável sotaque que não conseguiram amenizar, mesmo depois da temporada na Disney ou na Europa.

É verdade que nos finais de semana elas se soltam, enchem a cara e abrem as pernas para playboys da sua casta nos forrós “chiques” da cidade. Quem diria que um dia iriam copular ao som da mesma música apreciada pela empregadinha que elas exploram. A empregadinha engoma a roupa ouvindo Aviões do Forró e a patroazinha, bêbada, contorce-se de prazer tendo como fundo musical aquela mesma pérola. Que lindo! Que penetração social essa banda tem!

Por seu turno, os jovens machos dessa classe média escrota não gostam muito da chuva porque ela os impede de ir aos sambas-de-mesa que funcionam em ambientes descobertos, nos bairros nobres da cidade, onde uma latinha de cerveja costuma custar cerca de R$ 4,00. Aí eles vão pra casa de algum amigo e ficam fumando maconha enquanto a noite chega para irem fazer seus pegas em seus carrões “tunados”. Outra boa opção para a noite é ir arrumar confusão nas diversas boates da cidade ou naqueles mesmos forrós “chiques” que falei anteriormente.
Enfim, é uma beleza o cenário que vislumbramos em nossa provinciana Fortaleza. Tenho a impressão de que, daqui há algumas décadas, irão qualificar os tempos atuais como uma belle epòque. E como a verdade histórica raramente vence o lobby da versão mais bonitinha e menos ofensiva para a sociedade, ela será esmagada por esta última. Mas sempre haverá a filha daquela mucama, ainda refém do gueto onde viveu sua mãe, ouvindo a música brega enquanto passa a roupa do filho do patrão. E ela, com o orgulho incontido que só o conhecimento dos fatos pode dar, sorrirá um sorrisinho triunfante e sarcástico e pensará: “eu sei de tudo, seus escrotos, eu sei...”

terça-feira, 3 de março de 2009

Capim-guiné

"Tá vendo tudo
E fica aí parado
Cum cara de viado
Que viu caxinguelê"
Raul Seixas (Capim-Guiné)
Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, final de 2008, aproximadamente 22:00h. Esse foi o cenário de uma das mais surreais situações que vivi na Fortaleza de Nossa Senhora d’Assunção.
Estacionei o meu carro nas proximidades da boate Órbita, para onde me dirigia com minha esposa e um casal de amigos. Fui, então, surpreendido com a figura de um guardador de carros que me disse, na lata:
- É “três real” patrão!
Iniciou-se, assim, um dos papos mais absurdos da minha vida:
- Três reais o quê, meu amigo?
- Para estacionar aqui. É “três real”!
- Aqui? No meio da rua?
- É, doutor, é a tabela!
- Tabela? Que tabela?
- Da associação... - E apontou a inscrição no colete que usava, que trazia a sigla AVV (Associação dos Vigilantes de Veículos) e o nome do deputado estadual Caminha.
- Mas cara, vocês estão cobrando para eu estacionar o meu carro na via pública? E se eu não quiser pagar?
- Você que sabe “dotô”...’Tá cheio de vagabundo por aí. Às vezes eles riscam o carro só pra fazer o mal. Se a gente ficar olhando aí o senhor fica tranqüilo – Disse com um sorriso sarcástico.
Ficou claro quem seria o “vagabundo” que riscaria meu carro, caso eu não sucumbisse à extorsão: estava na minha frente. E só não o disse porque estava com minha esposa e amigos, e não queria estragar a noite. Preferi resmungar alguma coisa, tirar meu carro da vaga e colocar num estacionamento onde pagava cinco reais pela noite toda, mas pelo menos, poderia acionar judicialmente o estabelecimento caso alguma coisa acontecesse a ele.
É impressionante a questão dos estacionamentos aqui em Fortaleza. Todo dia, em todos os locais da cidade, nos vemos coagidos, chantageados e extorquidos pelos guardadores de veículos.
A maioria chega a apurar cerca de R$ 30,00 por dia, o que explica o fato de já existir um comércio de pontos entre eles. Há até alguns “guardadores-empresários” que alugam o ponto em eventos especiais. Na Bienal do Livro, por exemplo, um guardador – na tentativa de me convencer a pagar os R$ 2,00 que cobrava - me disse que teria arrendado o ponto durante o evento por R$ 500,00.
Agora, o que me deixa mais embasbacado mesmo é saber que um parlamentar, o deputado estadual Francisco Caminha apóia essa prática. Vi o seu nome no colete no flanelinha, mas, sinceramente, prefiro não acreditar. Deve ser um engano! Não é possível que um representante por nós eleito compactue com a privatização do espaço público e com o constrangimento por que passamos diariamente em nossa capital.
Não posso olvidar que esse problema tem seu nascedouro na desigualdade social necessariamente gerada pelo sistema capitalista. Mas é certo também que muitos deles veem nessa atividade uma fonte de renda que já passou do mero “bico”, se dando ao luxo, até, de arrendar ou vender seus “pontos”. Muitos, com certeza, não deixariam essa atividade em troca de um trabalho formal. Outra certeza irrefutável, para mim, é que aquela explicação sociológica da questão, não obstante verdadeira, serve muito mais de justificativa para a omissão do Estado em promover políticas públicas de geração de renda e para a completa impotência das polícias e do Ministério Público diante da situação.
Para nós, da chamada classe média, parcialmente responsáveis pela desigualdade social que nos cerca e sufocados nos guetos em que, paradoxalmente, nos sentimos menos ameaçados pelo lumpesinato que fomentamos, resta ficar sentado “com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar” ou assumirmos nosso papel de transformação social. Restam ainda uma terceira e uma quarta vias, é verdade: andar a pé ou botarmos a flanelinha no ombro e ocupar nosso próprio ponto de estacionamento. Afinal, de contas, nada como a concorrência para baixar os preços e melhorar a qualidade dos serviços. Milton Friedman ficaria orgulhoso!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Barricada

Após o post anterior conversava sobre seu conteúdo com meu dileto amigo Alexandre, dono de intelecto dos mais privilegiados e de um dos melhores blogs da internet brasileira (http://www.fantasmanamaquina.blogspot.com/).
Ele me disse que achava muito interessante essa espécie de barricada que engendrei após minha decepção com a forma como os bancos gerenciam sua carteira de processos judiciais.
Naquele momento percebi a importância de uma ofensiva real contra as artimanhas dos bancos, usando como arma essa democrática ferramenta que é a internet, não obstante a exclusão digital que ainda persiste.
A referida jihad será perpetrada na forma de dicas que ajudem o consumidor a lidar com oponentes muitíssimo mais poderosos.
Inicialmente é importante entender como funciona a política de acordos dos bancos e o que os leva a fazer ou não determinada composição em juízo. A instituição bancária sempre deixa reservado um valor correspondente ao total pleiteado nas ações em trâmite num determinado ano fiscal. Se, por exemplo, um banco tem 1000 ações, cada uma requerendo o valor de R$ 1.000,00, será reservado um valor total R$ 1.000.000,00. A isso eles chamam de contigenciamento. É dinheiro parado e o maior pesadelo dos administradores de tais empresas é já começar um novo ano com um alto contigenciamento remanescente do ano anterior.
Por isso, a partir do segundo semestre de cada ano os departamentos jurídicos dos bancos intensificam a busca por encerramento das ações através de acordos. É uma verdadeira operação de guerra, que eles batizam como "Campanha de Acordo", com metas elevadíssimas a serem atingidas pelos escritórios contratados. A partir de outubro, o desespero começa a transparecer e é nessa época que são feitos acordos judiciais nas ações revisionais com até 90% de desconto sobre o valor inicialmente cobrado pela instituição financeira.
E pasmem, mesmo perdoando quase a totalidade da dívida eles ainda não saem perdendo, tamanha as taxas de juros, as multas e demais penduricalhos contratuais pagos pelo pobre consumidor até que ele "se manque" e ajuize uma ação para desfazer a armadilha.
Por isso, a primeira dica é a seguinte: se você está sofrendo com as claúsulas abusivas dos contratos bancários, procure um advogado ou defensor público e proponha uma ação judicial. Não perca tempo com reclamações nos Procon's ou Decon's, que prestam um grande serviço mas que nesses casos, infelizmente, tem muito pouco a fazer além de intermediar um acordo.
Segunda dica: se seu nome estiver em cadastro de inadimplentes peça uma tutela antecipada, em caráter liminar, para a retirada da restrição. Atente-se para o fato de que algumas decisões judiciais vem entendendo necessário o depósito do valor incontroverso da dívida discutida. A doutrina, no entanto, não caminha nesse sentido. E nem poderia, pois tal entendimento significa total desprezo às regras do livre e amplo acesso ao Judiciário e da sua inafastabilidade. Na prática, as liminares nesse sentido, com acerto, ainda vem sendo concedidas.
Terceira dica: retirado o seu nome dos cadastros de inadimplentes, não desanime se na primeira audiência, ainda no primeiro semestre, os representantes do banco não oferecerem acordo e demonstrarem até um certo pedantismo. Em geral, não passa de mis en cène. Mais: resista ao primeiro acordo proposto pelo banco; em regra são de fazer corar o personagem de Robert Redford no péssimo "Proposta Indecente". Fique tranquilo: invariavelmente eles o procurarão por telefone com uma boa proposta a partir de setembro ou surgirão sorridentes e com uma generosidade ímpar na audiência de instrução, acaso ela ocorra. Entenda que a demora no trâmite da ação só prejudica a eles e que, na maioria dos casos, o seu direito é bom e uma vitória é bastante provável. Se for o caso, faça contrapropostas e aguarde.
É mesmo um jogo de gato e rato, mas cujas regras normalmente só eles conhecem, principalmente se você não contar com a assessoria de um advogado particular ou de um defensor público.
Espero que a população brasileira torne-se cada vez mais consciente de seus direitos e passe a exigi-los judicialmente quando fracassar o diálogo. Só assim, como nos filmes de Tom & Jerry, o rato vai dar o troco no gato.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A sinceridade etílica

Quem passou pela Faculdade de Direito da UFC entre os anos 80 e meados de 2000 lembra-se, certamente, do Gonçalves. Ele foi aluno da "Salamanca", tendo sido jubilado, ao que me parece, no final dos anos 90. Era uma figura adorável. No entanto, alguns não gostavam de sua postura, digamos, incisiva. Para ser mais objetivo, ele "não tinha papas na língua" e gostava de alertar para a nudez do rei, o que constrangia os súditos babões.
Era uma espécie de Diógenes contemporâneo: extremamente culto (diz a lenda que teria lido 5000 livros), dono de uma ironia fina e totalmente desprovido de bens materiais. Longe de deter a mera "cultura de almanaque", conhecia profundamente os assuntos que debatia. Infelizmente padecia de alcoolismo, o que o levou a morar nas ruas e a sujeitar-se a uma situação degradante. Ele gostava de dizer que um homem só se mostra por inteiro em duas situações: quando tem dinheiro ou quando está bêbado.
Essa assertiva do meu amigo Gonçalves me veio à mente quando lembrei de um episódio interessante que vivi na advocacia. O escritório em que trabalhava tinha como cliente um grande conglomerado financeiro. À medida em que seus ganhos cresciam vertiginosamente, também crescia, exponencialmente, o número de demandas de seus clientes contra as cláusulas abusivas presentes em seus contratos. Por mais que nos esforçássemos em busca de novas teses jurídicas a justificar a legalidade daquelas regras, a sucumbência era o resultado de 95% dos casos.
Determinado a não fazer sempre "mais do mesmo", resolvi estudar os contratos e sugerir algumas mudanças que diminuiriam sensivelmente o número de demandas. Depois de um exaustivo trabalho, submeti-o ao crivo do diretor jurídico do banco, em São Paulo. Ele desmanchou-se em elogios a mim e ao escritório, tecendo loas ao nosso comportamento "pró-ativo" e prometendo analisá-lo detidamente.
Passaram-se vários meses até que ele veio nos visitar em Fortaleza. Saímos os integrantes do escritório e ele para comer caranguejo na Praia do Futuro. Fascinado pelo sabor do crustáceo, acompanhou sua degustação com uma boa quantidade de cerveja e logo estava bem à vontade. Lembrei do tal relatório e perguntei-lhe o seu destino. Ele sorriu, olhos baixos e nó da gravata desfeito, me deu dois tapinhas nas costas e confessou:
- Meu amigo, que ótimo trabalho você fez! Mas é o seguinte: a gente já sabe de tudo aquilo; é tudo errado mesmo, tudo cláusula abusiva...Mas sabe como é né? Acaba compensando sabe? É uma questão atuarial: de cada 100 contratos que firmamos, menos de 10 são questionados na Justiça. E adivinha quem paga a conta? Os outros 90, claro! (sic)
Fiquei muito indignado, mas disfarcei. Não queria estragar a noite e a cerveja estava estupidamente gelada.
A partir daí passei a ver as coisas de um ângulo diferente e cheguei à conclusão que não podia me violentar. Meses depois tomei outro rumo profissional e decidi mudar de trincheira: os bancos ganharam um modesto, mas aguerrido adversário nos fóruns.
E o Gonçalves, mais uma vez, tinha razão: jamais ouvira aquela revelação se meu interlocutor não estivesse sob os efeitos da "loura gelada".