quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

DUNAS DO COCÓ: O CONTRA-ATAQUE DOS ESPECULADORES IMOBILIÁRIOS

A reportagem abaixo é de autoria do jornalista Tarik Otoch e foi publicada no jornal O Estado de 02/02/2010. Fiz questão de transcrevê-la aqui, ao invés de redigir um artigo sobre o tema por dois motivos. Primeiro, para que os leitores tenham uma visão panorâmica do contexto dessa questão, que foi muito bem resumido pelo Tarik (o que eu não faria melhor). Segundo, porque a minha indignação pela esdrúxula decisão do desembargador Ernani Barreira foi tamanha que travou-me os dedos.

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Por Tarik Otoch
Da Redação


Na manhã da última sexta-feira, 29, um grupo formado por dois biólogos, vereador João Alfredo (PSOL), estudantes de Direito e outros apoiadores reuniu-se com o desembargador Paulo Timbó. O motivo do encontro foi a liminar concedida, com uma série de irregularidades, pelo presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE), desembargador Ernani Barreira, suspendendo os efeitos da lei municipal que transforma a região das dunas do Cocó em Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie).
O grupo representa mais de três mil pessoas da sociedade que pediram a criação daquela Arie. No caso, as assinaturas desses cidadãos embasaram o projeto de lei aprovado por grande maioria da Câmara Municipal de Fortaleza em 24 de junho de 2009 (27 votos favoráveis e apenas quatro contrários). Acontece que, mesmo sancionada pela Prefeita, a Lei não pode ser aplicada devido à liminar concedida pelo desembargador Ernani Barreira. Frente à ameaça de destruição de uma zona protegida por lei, o grupo foi ao TJ municiado de pareceres científicos comprovando a importância da Arie, numa tentativa de sensibilizar o desembargador Paulo Timbó, relator do processo, para que reconsidere a liminar junto ao pleno do tribunal.
Os argumentos a favor da Arie residem não só nos extensos laudos científicos, mas na própria liminar que pede a suspensão da lei que a criou. De acordo com o advogado do Psol, Rodrigo de Medeiros, o processo contra a Arie não tem fundamento. Trata-se de uma Ação Direta de Inconstitucionalida de (Adin), proposta pela Associação Cearense dos Construtores e Loteadores (Acecol), mas segundo Rodrigo, a lei não permite a esse tipo de entidade propor uma ação como essa.
“A Acecol não é sindicato e não se enquadra entre os proponentes legais de Adin”. Além de não poder entrar com essa ação, a Acecol teria se embasado em fundamentos descabidos. “A inconstitucionalida de da Lei da Arie deveria ser alegada em relação à constituição estadual. Ao invés disso, foi fundada em legislações federais e municipais”.
Para completar, os cidadãos pedem um comportamento mais razoável por parte do Tribunal. Diz o advogado Márcio Aguiar que “para atender ao princípio constitucional da razoabilidade, o desembargador Ernani Barreira, pela complexidade e delicadeza do assunto, deveria ter consultado seus colegas do Pleno antes de conceder uma liminar como essa”.
A ação do desembargador Ernani Barreira, ao conceder a liminar, causou indignação geral. Para o vereador João Alfredo, a Adin é absurda, pois não tem fundamento jurídico. “Foi temerário que o Presidente do Tribunal tenha concedido uma liminar suspendendo os efeitos da lei para atender os interesses de construtoras.
Queremos que o desembargador Paulo Timbó aprecie com cuidado esse nosso pleito”, defende o vereador, que conclui: “Se for necessário, vamos até o Supremo Tribunal Federal, pois ele tem decisões que colocam o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como superior ao direito de construir”.
O grupo que esteve com o desembargador Paulo Timbó representa várias organizações da sociedade de Fortaleza, entre elas o Psol, o SOS Cocó, a Frente Popular Ecológica, o Movimento Pró-Parque Rio Branco, a Rede de Permacultura do Ceará e o Fórum Cearense de Meio Ambiente.

Cientistas defendem a preservação das Dunas do Cocó

Um dos instrumentos que embasam a defesa da Arie do Cocó vem da Universidade Federal do Ceará (UFC) que, através do departamento de Geografia, elaborou um parecer comprovando que a área das Dunas do Cocó precisa ser protegida.
O biólogo Marcelo Moura, doutorando em Biologia Vegetal, diz que “é preocupante ver que Fortaleza, mesmo com a preocupação ambiental que vem surgindo no mundo, ainda enfrenta dificuldades com a especulação imobiliária. Corremos risco de perder mais uma área de vegetação em uma cidade que cresceu, exageradamente, no século passado e hoje tem menos de 10% da vegetação nativa restante”.
A bióloga Marília Brandão, ativista a favor do Cocó desde 1976, segue a mesma linha. Segundo ela, pelas características da vegetação, aquela área é protegida pelo código florestal brasileiro. “São paleodunas que foram datadas e contam a nossa história natural. Estão inseridas numa área urbanizada e a cidade precisa de áreas desse tipo para minimizar o impacto ambiental. E é isso que queremos. Uma cidade com áreas agradáveis, verdes, que possam levar ao relaxamento, à contemplação, a uma qualidade de vida melhor”.