terça-feira, 9 de março de 2010

PIMENTA NOS OLHOS DOS OUTROS

"Que estúpido se não sabe que a infelicidade dos outros é dele e não se cura de fora.
Porque sofrer não é ter falta de tinta ou o caixote não ter aros de ferro!"
(Fernando Pessoa)
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A mais nova polêmica em Fortaleza é a pretensão do governo do Estado de construir um estaleiro na praia do Titanzinho, no bairro Serviluz. O que teria ensejado o projeto seria, inicialmente, a encomenda da Transpetro pela construção de oito navios.
Muito se comentou até agora nos meios de comunicação sobre as vantagens e desvantagens da instalação daquele equipamento. O primeiro óbice à intenção do governo é o fato de aquela área ter sido incluída no Plano Diretor como Zona Especial de Interesse Social, (ZEIS) nos moldes da Lei 11.977/2009. A verdade, entretanto, é que muitos esquecem de verificar o que pensam os moradores daquela área, esse sim o maior e melhor argumento contrário à sua efetivação.
Neste sentido, as organizações populares do Serviluz divulgaram uma carta aberta em que se colocam contra tal empreendimento, expondo motivos bastante coerentes para tanto (http://conselhospopulares.org.br/porque-somos-contra-a-instalacao-do-estaleiro-no-titanzinho/)
Em suma, o que dizem os moradores da região é que não se pode olvidar das intensas relações sociais, afetivas e culturais que eles mantém com o ambiente em que vivem, nem descartá-las em detrimento de uma rota visão desenvolvimentista, para a qual não interessa a construção de uma sociedade nova, solidária com os homens e com a natureza.
A ilusão do progresso e da geração de emprego para a comunidade cai por terra quando consideramos o exemplo do estaleiro de Pernambuco que teve que importar mão-de-obra do Japão e quando verificamos a degradação social que esse tipo de equipamento gera.
Porque não aproveitar o potencial paisagístico da região e qualificá-la para os moradores, dotando-a de melhor infraestrutura de serviços públicos, com a presença do Estado de outras formas e não apenas através do aparato policial? Porque não incentivar a vocação para os esportes dos jovens do bairro, principalmente para o surfe, gerando empregos através do turismo de eventos esportivos e de projetos sociais?
É tão óbvio o que se pode fazer, que não é preciso pensar muito para propor soluções alternativas ao tal estaleiro. Mas, como sempre, os arautos do progresso a todo custo, não sabem bem o significado dessa palavra. Esquecem que o progresso deve ser voltado para a melhoria de vida de todos os homens e mulheres e não apenas para o aumento das contas bancárias dos empreiteiros. Esquecem que a qualidade de vida das pessoas está intrinsecamente ligada ao local onde vivem, ao meio ambiente de que fazem parte. Degradado este, degradam-se as vidas dos que neles fazem sua morada. Há que se ressaltar, para não cometer injustiças, os que já se manifestaram publicamente contra essa afronta ao bom senso, como é o caso da prefeita Luizianne Lins e do vereador João Alfredo.
Por fim, devo dizer que noto um fato muito revalador quando leio as opiniões favoráveis a esta aberração: @s que defendem o projeto não moram próximo ao local. Ao contrário representam a classe média alta empolada, preconceituosa e reprodutora de tudo que sai na Veja e no Jornal Nacional. Duvido que ess@s gostariam de vê-lo instalado na frente de seus luxuosos apartamentos, privando-lhes da visão privilegiada de que desfrutam. Como diz o ditado, pimenta nos olhos dos outros é refresco.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

DUNAS DO COCÓ: O CONTRA-ATAQUE DOS ESPECULADORES IMOBILIÁRIOS

A reportagem abaixo é de autoria do jornalista Tarik Otoch e foi publicada no jornal O Estado de 02/02/2010. Fiz questão de transcrevê-la aqui, ao invés de redigir um artigo sobre o tema por dois motivos. Primeiro, para que os leitores tenham uma visão panorâmica do contexto dessa questão, que foi muito bem resumido pelo Tarik (o que eu não faria melhor). Segundo, porque a minha indignação pela esdrúxula decisão do desembargador Ernani Barreira foi tamanha que travou-me os dedos.

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Por Tarik Otoch
Da Redação


Na manhã da última sexta-feira, 29, um grupo formado por dois biólogos, vereador João Alfredo (PSOL), estudantes de Direito e outros apoiadores reuniu-se com o desembargador Paulo Timbó. O motivo do encontro foi a liminar concedida, com uma série de irregularidades, pelo presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE), desembargador Ernani Barreira, suspendendo os efeitos da lei municipal que transforma a região das dunas do Cocó em Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie).
O grupo representa mais de três mil pessoas da sociedade que pediram a criação daquela Arie. No caso, as assinaturas desses cidadãos embasaram o projeto de lei aprovado por grande maioria da Câmara Municipal de Fortaleza em 24 de junho de 2009 (27 votos favoráveis e apenas quatro contrários). Acontece que, mesmo sancionada pela Prefeita, a Lei não pode ser aplicada devido à liminar concedida pelo desembargador Ernani Barreira. Frente à ameaça de destruição de uma zona protegida por lei, o grupo foi ao TJ municiado de pareceres científicos comprovando a importância da Arie, numa tentativa de sensibilizar o desembargador Paulo Timbó, relator do processo, para que reconsidere a liminar junto ao pleno do tribunal.
Os argumentos a favor da Arie residem não só nos extensos laudos científicos, mas na própria liminar que pede a suspensão da lei que a criou. De acordo com o advogado do Psol, Rodrigo de Medeiros, o processo contra a Arie não tem fundamento. Trata-se de uma Ação Direta de Inconstitucionalida de (Adin), proposta pela Associação Cearense dos Construtores e Loteadores (Acecol), mas segundo Rodrigo, a lei não permite a esse tipo de entidade propor uma ação como essa.
“A Acecol não é sindicato e não se enquadra entre os proponentes legais de Adin”. Além de não poder entrar com essa ação, a Acecol teria se embasado em fundamentos descabidos. “A inconstitucionalida de da Lei da Arie deveria ser alegada em relação à constituição estadual. Ao invés disso, foi fundada em legislações federais e municipais”.
Para completar, os cidadãos pedem um comportamento mais razoável por parte do Tribunal. Diz o advogado Márcio Aguiar que “para atender ao princípio constitucional da razoabilidade, o desembargador Ernani Barreira, pela complexidade e delicadeza do assunto, deveria ter consultado seus colegas do Pleno antes de conceder uma liminar como essa”.
A ação do desembargador Ernani Barreira, ao conceder a liminar, causou indignação geral. Para o vereador João Alfredo, a Adin é absurda, pois não tem fundamento jurídico. “Foi temerário que o Presidente do Tribunal tenha concedido uma liminar suspendendo os efeitos da lei para atender os interesses de construtoras.
Queremos que o desembargador Paulo Timbó aprecie com cuidado esse nosso pleito”, defende o vereador, que conclui: “Se for necessário, vamos até o Supremo Tribunal Federal, pois ele tem decisões que colocam o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como superior ao direito de construir”.
O grupo que esteve com o desembargador Paulo Timbó representa várias organizações da sociedade de Fortaleza, entre elas o Psol, o SOS Cocó, a Frente Popular Ecológica, o Movimento Pró-Parque Rio Branco, a Rede de Permacultura do Ceará e o Fórum Cearense de Meio Ambiente.

Cientistas defendem a preservação das Dunas do Cocó

Um dos instrumentos que embasam a defesa da Arie do Cocó vem da Universidade Federal do Ceará (UFC) que, através do departamento de Geografia, elaborou um parecer comprovando que a área das Dunas do Cocó precisa ser protegida.
O biólogo Marcelo Moura, doutorando em Biologia Vegetal, diz que “é preocupante ver que Fortaleza, mesmo com a preocupação ambiental que vem surgindo no mundo, ainda enfrenta dificuldades com a especulação imobiliária. Corremos risco de perder mais uma área de vegetação em uma cidade que cresceu, exageradamente, no século passado e hoje tem menos de 10% da vegetação nativa restante”.
A bióloga Marília Brandão, ativista a favor do Cocó desde 1976, segue a mesma linha. Segundo ela, pelas características da vegetação, aquela área é protegida pelo código florestal brasileiro. “São paleodunas que foram datadas e contam a nossa história natural. Estão inseridas numa área urbanizada e a cidade precisa de áreas desse tipo para minimizar o impacto ambiental. E é isso que queremos. Uma cidade com áreas agradáveis, verdes, que possam levar ao relaxamento, à contemplação, a uma qualidade de vida melhor”.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A JUSTIÇA QUE NÃO QUEREMOS (Publicado n'O Estado em 28/01/2010)

Uma situação singular vem atormentando os que militamos diariamente nos fóruns de nosso Estado: a paranóia em baixar processos de qualquer forma e, pior ainda, em escusar-se de julgá-los, por parte de certos juízes.
Já tivemos a oportunidade de nos manifestarmos neste espaço sobre os males que a Meta 2, não obstante a boa intenção da iniciativa, tem causado à celeridade dos demais processos que não estão nela incluídos. Mas outro aspecto nos tem chamado atenção: a concretização do antigo ditado popular, segundo o qual a pressa é inimiga da perfeição. O que se observa é que nessa louca corrida pelo arquivamento do maior número de processos possíveis, aumenta-se exponencialmente o risco de erros judiciais. É claro que uma justiça célere é o sonho de todos, mas celeridade não é sinônimo de precipitação. E o que se vê é uma enxurrada de reclamações por parte de colegas advogados, reclamando de deslizes grosseiros cometidos pelas secretarias de vara e afronta aos mais elementares princípios processuais, mormente os da ampla defesa e do contraditório. Aquela conversa de que “juiz não lê petição” parece cada vez mais verossímil. Eu mesmo tenho sofrido com isso, mas como aqui não é divã vou poupá-los dos meus lamentos.
Mas não os pouparei de outra vertente igualmente repulsiva do problema: aqueles juízes que, reforçando o injusto estigma do brasileiro, encontraram um jeitinho de aumentar suas estatísticas de arquivamento de processos, sem trabalhar.
O problema é muito maior nos juizados especiais. Funciona assim: quando o magistrado recebe um processo procura de todas as formas possíveis e imaginárias se dizer incompetente para o seu julgamento, seja em razão da área de abrangência da jurisdição, seja pela famosa “complexidade da matéria”.
O primeiro caso - da jurisdição do juizado – nem seria tão revoltante assim se as próprias unidades dos juizados não tivessem dúvidas quanto à sua área de atuação, fazendo um “jogo de empurra” com advogados e cidadãos. No site do Tribunal não existe uma ferramenta de busca automática do juizado competente pelo CEP, o que é uma solução tão óbvia quanto fácil de ser implantada. Há, sim, uma descrição da abrangência geográfica de cada unidade tão complicada que Milton Santos levaria horas para entendê-la.
Porém, o que mais causa indignação é a mania de alguns juízes de atribuírem a causas simples um grau de complexidade que atenta contra o bom senso de qualquer ser humano. Por exemplo, alguns dizem serem complexas as ações revisionais de empréstimos bancários ou de contratos de cartão de crédito. O cálculo dos juros e encargos é feito com facilidade por qualquer pessoa minimamente instruída com programas que se encontram na internet. No DECON, um estagiário do primeiro ano de contabilidade o faz em poucos minutos. A abusividade dos contratos é clara aos olhos de quem mal sabe as quatro operações fundamentais da aritmética. Mas os doutos detentores do poder de decidir acham tal questão muito complicada. Subjacente a esse entendimento há, sim, uma repulsa a uma demanda tão comum causada pela sanha descontrolada pelo lucro por parte das instituições financeiras e o medo dos juízes de enfrentar o lobby descarado que eles fazem nas instâncias superiores do Poder Judiciário. E há também, certamente, uma visão totalmente desvirtuada da filosofia dos juizados especiais: uma justiça do povo, para o povo e simples como o povo.
Nesta senda, alguns chegam mesmo a não admitir qualquer tipo de perícia no âmbito do juizado, afrontando a própria Lei 9.099/95, que no seu artigo 32 considera hábeis todos os meios de prova moralmente legítimos e no artigo 35 admite expressamente a realização de perícia informal. A própria natureza da prova pericial no Código de Processo Civil foi modificada há muito tempo pela Lei 8452/92, atenuando-lhe o rigor formal ao alterar a redação do parágrafo 2º do artigo 421 para prever que a “perícia poderá consistir apenas na inquirição pelo juiz do perito e dos assistentes, por ocasião da audiência de instrução e julgamento”. Ou seja, contrariam a lei para diminuir seus processos, ao invés de julgá-los. E os homens e mulheres, sedentos por justiça, se desencantam cada vez mais. Resta-lhes fazê-la com as próprias mãos, quando possível. Quando não, conformam-se mais uma vez, como tantas vezes na vida o povo é obrigado diante das dificuldades desse labirinto kafkiano.
Não é essa a justiça que queremos. Está longe disso. O povo quer um Judiciário com a infraestrutura adequada, com funcionários treinados e em número suficiente. Mas quer, principalmente, juízes destemidos, independentes, que ouçam o clamor das ruas em seus gabinetes refrigerados e que não se utilizem de tais artifícios para tentar conferir à Justiça uma imagem de celeridade que se desfaz rapidamente, como uma miragem, no chão quente da vida real.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

OS PIORES DEFEITOS DE UM JUIZ

“Se tivesse que decidir sem independência, de cabeça baixa, eu teria vergonha de continuar sendo juiz.” Ex-juiz Livingsthon Machado*
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Os dois piores defeitos de um juiz são a covardia e a desonestidade. Tanto um quanto outro geram uma incompatibilidade insanável com a importante função que desempenham. Vou dar um exemplo onde pelo menos o primeiro deles se manifesta frequentemente.
As "astreintes" são multas processuais impostas pelo juiz à parte que deixar de cumprir obrigação de fazer ou não fazer determinada numa decisão. São, pois, um meio de coagir a parte a obedecer a ordem judicial. São aplicadas por dia de descumprimento e previstas na própria decisão. Assim é que se determina, por exemplo, que uma construtora libere uma hipoteca que grava o imóvel vendido a um cliente em cinco dias sob pena de multa de R$ 500,00 por dia de descumprimento.
O grande problema é quando a multa é prevista mas o juiz não tem coragem de aplicá-la. Aliás, ontem um amigo me ligou informando seu caso particular. Uma empresa do setor financeiro (sempre elas!) inscreveram indevidamente o nome da sua cliente no cadastro de inadimplentes e foi compelida em decisão liminar que antecipou a tutela a retirá-lo em 72 horas sob pena de multa diária de R$ 100,00 no bojo de uma ação de indenização por danos morais. Passaram-se dois meses, intercalados por insistentes pedidos do seu patrono, sem que o banco cumprisse a ordem judicial. A multa acumulou-se no valor de pouco mais de R$ 6.000,00. Foi então que o advogado, cansado de tanto insistir em ligações para o Promovido, peticionou ao juiz requerendo a execução da multa. Como num passe de mágica, após tomar conhecimento do pedido, a empresa, finalmente, cumpriu a decisão. O magistrado "cancelou" a multa por considerar que a mesma atingiu um valor muito acima do razoável.
Ora, vamos analisar com calma a situação. Um grande banco descumpre descaradamente uma ordem judicial, mantendo a conduta que ensejou a ação e os danos causados à consumidora, por mais de dois meses e quem carece de razoabilidade é a multa que foi imposta para compeli-lo, sem sucesso, a cumprir a obrigação imposta pelo juiz? É razoável a atitude do banco? É razoável a leniência do juiz, o seu medo do poderio dos bancos ou de sua decisão ser cassada pela instância superior e "manchar" seu histórico de sentenças ratificadas pelo colegiado?
Esse tipo de atitude (ou falta dela) só depõe contra a independência e o respeito que todos devemos ao Judiciário. Fica a impressão clara que os grandes conglomerados capitalistas não estão sujeitos à lei e que o cumprimento das decisões judiciais decorre mais da necessidade de uma boa imagem institucional da empresa perante a sociedade (que mau exemplo seria o descumprimento de uma ordem judicial, não?), de um favor que eles fazem, do que da imperatividade da lei e da certeza de rigor por parte dos juízes.
É algo como a hipócrita tendência de alguns juízes de mitigarem o valor das indenizações por dano moral com vistas a combater a "indústria do dano moral". E a "indústria do desrespeito ao consumidor" como será barrada?
No caso dos astreintes a falta de coragem dos juízes parece ser um mal crônico e que grassa por todo o país. Porque então continuam a prever essa multas se não as aplicam quando é devido? Até quando o Poder Judiciário vai ser refém (com muitas exceções honorabilíssimas, como o brilhante e corajoso juiz Gerivaldo Neiva - gerivaldoneiva.blogspot.com) do lobby do poder econômico? Até quando vão castrar o idealismo, a coragem e a independência dos juízes que iniciam suas carreiras querendo fazer a coisa certa?
Urge que a sociedade se insurja para destruir a masmorra onde se encerram os mais altos valores que devem inspirar a mente e os corações de nossos magistrados, sob pena de ela mesma ser ali encarcerada.
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Para ler mais sobre o autor do texto citado em epígrafe, acesse a página http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3338/128/

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O MAL E A CURA

"Nada é veneno, tudo é veneno. A diferença está na dose."
Paracelsus
"Ah, voltar de novo à vida! Lançar os olhos sobre nossas monstruosidades. E este veneno, este beijo mil vezes maldito! Minha fraqueza, a crueldade do mundo!"
Rimbaud - Noite no inferno
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Em fevereiro deste ano, por ocasião do 2º Encontro Nacional do Judiciário, os tribunais brasileiros aprovaram um conjunto de metas a serem alcançadas até o final de 2009, como esforço para a superação da crise de prestação jurisdicional eficiente que experimentamos.
Superada a Meta 01, que consistiu na criação e aprovação, por cada tribunal, de um plano estratégico plurianual, passou-se à Meta 02. Seu objetivo é nobilíssimo: “Identificar os processos judiciais mais antigos e adotar medidas concretas para o julgamento de todos os distribuídos até 31/12/2005 (em 1º, 2º grau ou tribunais superiores)”. Ocorre que o método para atingi-lo tem gerado prejuízos tão grandes quanto o problema que busca resolver.
Quem milita nos fóruns de nossa capital, principalmente no estadual, sabe do que estou falando: a Meta 02 é agora a desculpa da moda para a estagnação dos processos, para o péssimo atendimento aos advogados e para a indisponibilidade dos magistrados.
Se você pergunta a um serventuário da Justiça sobre aquele expediente que já está há três meses para ser feito, ele logo pergunta, incontinenti: “É processo da Meta 02”? Se não for, conformar-se é a única saída. Ou enfartar de raiva. Uma expressão de falsa solidariedade sempre surge no rosto do alegre funcionário que tem agora um bom escudo contra esses chatos que querem uma justiça célere. “’Tá pensando o quê? Parece que nasceu de sete meses!”, reflete, inolvidavelmente indignado.
Mas no final do mês, o dinheiro do contribuinte entra na sua conta, inevitavelmente. Para nós, advogados, o difícil é esperar pelos honorários que nunca vem porque o processo nunca acaba. Inevitável também é o aborrecimento do cliente quando seu patrono vai explicar tudo isso. Não lhe tiro a razão pois o absurdo da situação é digna do realismo fantástico de Garcia Márquez.
O que mais me espanta, no entanto, é o conformismo que grassa entre os operadores de direito. Pior do que isso só a falta de atitude do Tribunal de Justiça cujo silêncio eloqüente parece querer dizer: “não tenho nada a ver com isso; estou fazendo a minha parte”.
É postulado ancestral da cultura popular que uma doença grave requer um remédio amargo. Acontece que ele está matando o doente. E ninguém faz nada.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Por uma OAB Democrática, comprometida com a Ética e a Cidadania, aberta à sociedade e aos movimentos sociais.

"Lutar pra nós é um destino –
é uma ponte entre a descrença
e a certeza de um mundo novo." Agostinho Neto


Aproxima-se mais uma eleição da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Ceará. Vários interesses se põem na disputa, sejam confluindo para uma finalidade em comum, sejam se colocando em lados antagônicos. Todavia, queremos colocar nossa preocupação maior com o caráter de “serviço público” que possui a Ordem (art. 44, do Estatuto da Ordem). Quando o Estatuto da Ordem trata de sua finalidade, dispõe, logo no inciso primeiro do dispositivo em referência, que ela tem por finalidade defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os Direitos Humanos, a justiça social.
Inicialmente, é pressuposto para que qualquer Instituição possa cumprir sua função, que possua a independência necessária para tanto. Dessa forma, queremos repudiar qualquer vinculação a outras esferas de poder, além do necessário relacionamento institucional. Não pode a Ordem se apequenar em relações de troca de favores, distanciando de seu verdadeiro papel, pelo qual a sociedade possui expectativa. Isto passa, também, por posicionarmos contra as excessivas trocas de homenagens ao Poder Judiciário, para pessoas em vida, como pela escolha do quinto constitucional, por exemplo. Não deve a Ordem, através de seus representantes, manter uma relação promíscua que depõe contra seus valores históricos. Quem defende o Estado Democrático deve pautá-lo a partir de si mesmo. Por isso defendemos eleições diretas com toda a categoria, para o quinto, visando dar legitimidade à escolha e dificultar que interesses outros venham influenciar de forma decisiva este processo.
Neste sentido, é que também não admitimos que a Ordem sirva aos interesses particulares de quem a compõe. Ela não pode ser usada pelos clientes dos advogados integrantes do Conselho e das Comissões, prejudicando os interesses da coletividade, com os quais a Ordem possui obrigação. Devem, assim, as comissões e o conselho serem compostos por quem tenha espírito público.
A legitimidade da Ordem e o compromisso com uma gestão democrática significa, necessariamente, também, a valorização do papel do Conselho Estadual que deve deixar de figurar apenas formalmente na estrutura da instituição e assumir seu papel estatutário, com o amplo apoio e respeito da presidência.
Sabemos da importância da defesa dos interesses da categoria por parte da Ordem. Contudo, o seu papel não se restringe a este expediente. Claro, o fortalecimento de seus membros é também o fortalecimento da instituição. Mas a Ordem não existe apenas para seus membros, possui uma série de deveres, inclusive, constitucionais, para com a sociedade.
Para nós é muito cara a defesa dos Direitos Humanos. Mas esta defesa não pode se dar de forma abstrata. Deve se dar junto aos movimentos sociais e suas entidades, enfrentando lado a lado as demandas postas, sem medo de enfrentar e superar as nossas contradições. Deve, assim, a OAB não ser tímida ao levantar a bandeira da Reforma Agrária, do Direito à Cidade, do Direito de Greve, do Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, da Função Socioambiental da Propriedade, dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos Direitos Culturais, dos Direitos dos Afro-descendentes e dos Povos Indígenas, contra a discriminação de Gênero, contra a Homofobia, dentre outras. Sobre o Direito de Greve, assunto, ultimamente em pauta, a OAB deve ser por uma negociação direta entre servidores e governos, com a intervenção da sociedade, como determina a Resolução nº 151 da OIT.
Estar junto destas lutas significa estar junto das pessoas que estão nelas, não admitindo a criminalização dos movimentos e de seus militantes. Significa estar junto a quem luta por direitos, pois este é também o papel da Ordem.
Destarte, conclamamos a quem se coloca para cumprir a função pública de ficar a frente da Ordem, que cumpra com altivez, independência e coadunado com seus deveres constitucionais, na Defesa dos Direitos Humanos, buscando justiça social. Assim, é que as advogadas e advogados, com identidade com as causas sociais, assinam esta nota.


1. Adriana Oliveira Pinto, OAB-CE 19.140
2. Alexsandra Fonseca Canuto - OAB-CE 19.771
3. Amabel Crysthina Mesquita Mota, OAB-CE 21.137
4. Ana Stela Vieira Mendes, OAB-CE 20.513
5. Antônia (Toinha) Rocha, OAB-CE 9.429
6. Bárbara Lia Melo, OAB-CE 18.811
7. Camila Vieira Braz, OAB-CE 18.424
8. Carlos Roberto Cals de Melo Neto, OAB 19.988
9. Carlos Augusto Machado Aguiar Junior, OAB-CE 20.155
10. Cecília Parente Pinheiro, OAB-CE 19.065
11. Cynthia Maria Alencar de Carvalho, OAB-CE 21478
12. Daniella Alencar Matias, OAB-CE 17.714
13. Davi Aragão Rocha, OAB-CE 21.452
14. Demitri Nóbrega Cruz, OAB-CE 14.483
15. Edmilson Barbosa Francelino Filho, OAB-CE 15.320
16. Esio Feitosa Lima, OAB- CE 11075
17. Francisco de Assis Costa Aderaldo, OAB-CE 14.873
18. Francisco Cláudio Oliveira Silva Filho - OAB-CE 20.613
19. Geovani de Oliveira Tavares, OAB-CE 7.854
20. Gustavo César Machado Cabral, OAB-CE 20.672
21. Henrique Botelho Frota , OAB-CE 18.477
22. Isabelle de Castro Maciel, OAB 18.323
23. Jairo Rocha Ximenes Ponte, OAB-CE15.869
24. Janaína Malveira Teixeira, OAB-CE 18.412
25. João Alfredo Telles Melo, OAB CE 3762
26. Prof. José de Albuquerque Rocha, OAB-CE. 5.312
27. Larissa Fernandes Gaspar, OAB-CE 19.345
28. Marcelo Pessoa Pontes, OAB-CE 17.715.
29. Marcio Alan Menezes Moreira, OAB-CE 18.728
30. Magda Maria Luz. OAB-CE Nº 14765
31. Magnólia Azevedo Said, OAB-CE 3.284
32. Márcia Cristina Leitão Pimentel, OAB 18.430.
33. Marcia Maria dos Santos Souza, OAB-CE 13.611
34. Márcio José de Souza Aguiar, OAB-CE 15.941
35. Marcus Giovani R. Moreira, OAB 12.393
36. Maria de Lourdes Vieira Ferreira, OAB-CE 19.807
37. Mário Ferreira de Pragmácio Telles, OAB/CE 19.624
38. Nadja Furtado Bortolotti OAB-CE 16.514
39. Nayanna Goes Gomes de Freitas, OAB- CE 13.800
40. Paula Regina Araújo OAB-CE 20.329
41. Patrícia Kelly Campos de Sousa, OAB/CE 12.930
42. Patrícia Oliveira Gomes, OAB/CE 20.594.
43. Pedro de Albuquerque Neto, OAB-CE 16.224
44. Renato Roseno de Oliveira, OAB-CE 14.906
45. Rodrigo Barbosa Teles de Carvalho OAB-CE nº 19.845
46. Rodrigo de Medeiros Silva, OAB-CE 16.193
47. Rodrigo Vieira Costa, OAB-CE 20.101
48. Thiago Câmara Loureiro, OAB-CE 19.245
49. Victor Hugo de Freitas Leite. OAB-CE 17.299
50. Vládia Lima Verde Araújo, OAB-CE 19731
51. Walber Nogueira da Silva, OAB-CE 16.561

Aderem também ao texto da Nota:

Deodato José Ramalho Junior, OAB-CE3.645 (advogado licenciado)
Janduy Targino Facundo , OAB-CE 10.895
Marcelo Ribeiro Uchôa, OAB-CE 11.299
Paulo Afonso Lopes Ribeiro ,OAB-CE 7.298
Stênio Gonçalves Silva, OAB-CE 10.727

Eleições da OAB/CE: nova conjuntura e posição atual dos advogados populares

No post anterior fiz algumas observações acerca da atual situação da advocacia cearense e da conjuntura para as eleições da OAB-CE. De lá para cá, reunimo-nos alguns advogados ligados aos movimentos populares (inclusive o amigo Edmilson Barbosa) para ampliar essa discussão e debater a possibilidade de lançar mão de uma candidatura que representasse os anseios dos que entendem que a OAB deve aproximar-se dos movimentos sociais, afastar-se da relação promíscua que mantém com o poder, comprometer-se com a ética, a defesa da minorias, os direitos sociais e ser independente e altiva.

No bojo de tais discussões, foi anunciada a desistência do Sr. Hélio Leitão em concorrer a um inaceitável terceiro mandato, decidindo o mesmo apoiar o advogado ERINALDO DANTAS. Chegamos a duas conclusões: a) a exigüidade do tempo não nos permitiria trabalhar uma candidatura própria, o que, do ponto de vista prático, apenas serviria para dividir mais ainda os votos, não obstante o debate que surgisse fosse realmente salutar; b) o advento de um novo nome em oposição ao Valdetário, no caso o Dr. Erinaldo Dantas, poderia dar ensejo a apoiá-lo, desde que houvesse comprometimento com as idéias do grupo.

Com efeito, um possível apoio à candidatura de Erinaldo Dantas, situação que deve ser definida nesta semana decorre de um apoio programático e não em função de cargos, não obstante esses sejam importantes para a concretização dos compromissos porventura assumidos.

Por outro lado, consolidando-se esse apoio temos mais chances de evitar a eleição do Sr. Valdetário, o que, na nossa opinião representaria um retrocesso histórico imenso e poderia causar estragos irreparáveis na instituição e na sua relação com a sociedade, além de representar o fim dos resquícios de independência da OAB.

O Erinaldo é um profissional que conheço pessoalmente. Tem demonstrado até hoje ser um homem sério e de palavra. Não sei se é de esquerda, mas certamente é avesso a certos expedientes que depõem contra a dignidade dos operadores do Direito. Por outro lado, compromissado com a ética e com a honestidade, deve dar espaço ao avanço que almejamos para a Ordem, mormente na sua aproximação com a sociedade, na defesa dos direitos das minorias, do meio ambiente, dos direitos sociais e na sua independência.
A aderência ao manifesto que grupo lançou e que deverá ser publicado aqui em breve é condição necessária para o apoio à sua candidatura.