quinta-feira, 25 de junho de 2009

DIAS DE LUTA

"Então não pude seguir
Valente em lugar tenente
E dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente..."
(Geraldo Vandré/Theo de Barros)
Dia desses recebi uma sugestão de minha queridíssima comadre Janaína (que saudade d’ocê menina!). O seu sorriso e otimismo característicos, próprios de quem tem “a estranha mania de ter fé na vida”, atravessou o Brasil via internet e fez seu compadre refletir. Disse a minha amiga que eu não poderia esquecer os bons exemplos que ainda teimam em nascer no solo árido do egoísmo que grassa mundo afora.
Pois bem, uma notícia alvissareira agitou a nossa capital ontem: a aprovação, pela Câmara Municipal de Fortaleza, de um projeto de lei de autoria do vereador João Alfredo (PSOL) que cria a Área de Relevante Interesse Ecológico do Cocó. Com 27 votos favoráveis, o projeto determina a transformação de um terreno particular no Cocó, numa área de efetiva proteção contra a especulação imobiliária e financeira. Será proibida a construção de edifícios, vias públicas e demais equipamentos urbanos no perímetro do parque formado pelas avenidas Padre Antônio Tomás, Sebastião de Abreu e pela Rua Magistrado Pompeu, sendo permitidas a exploração do turismo ecológico e esporte de baixo impacto ambiental.
Talvez tão importante quanto a lei em questão, foi o seu processo de aprovação: ele se deu em razão da mais legítima pressão popular. O lobby das construtoras, dos predadores do turismo destrutivo, dos especuladores financeiros e empresários inescrupulosos, tentou atrasar a votação do projeto e impedir a sua aprovação. Esforço inútil! A resposta foi dada ontem, no dia 24 de junho de 2009, num dia emblemático para o movimento ambientalista e para o nosso povo.
Mas a sessão de ontem foi apenas o desfecho de uma luta que começou no final de 2008, quando um grupo de moradores da Cidade 2000 decidiu se opor à devastação das dunas do Parque do Cocó que vinha sendo promovida por uma imobiliária. Começava ali uma série de batalhas judiciais, pressões políticas e ameaças pessoais contra os integrantes do movimento que passou a se chamar “Salve as dunas do Cocó”. Felizmente essa ação gerou uma reação favorável ao movimento por meio de blogs, lista de e-mails, boca-a-boca e panfletagens. Tudo isso culminou com a chegada às mãos do Vereador João Alfredo de um abaixo-assinado de quase 3.000 cidadãos fortalezenses contra a destruição daquele patrimônio ambiental. Aí começou a luta dentro do parlamento. Com a má vontade que era de se esperar, as discussões travavam, os pareceres demoravam a sair, cada passo do trâmite do processo tinha a dificuldade de um parto. Mas a pressão popular forçou os vereadores a votar ontem o projeto e o povo exigiu sua aprovação pelos seus representantes, lotando o plenário da Câmara. Alguns vereadores devem mesmo ter votado temendo a fúria popular e tiveram que engolir à força o projeto. E que assim seja! Que temam mesmo! Até da covardia pode-se tirar algum proveito. Mas creio que a maioria dos que votaram o fizeram convencidos da necessidade de respeitar a inolvidável vontade dos fortalezenses.
Como foi dito acima votaram a favor do projeto 27 vereadores. Votaram contra, anotem aí (e não esqueçam): Carlos Mesquita, Magali Marques, Paulo Gomes e Marcos Teixeira; todos do PMDB. Abstiveram-se de votar, o que dá no mesmo: Casemiro Neto (DEM), Marcelo Mendes (PTC, ironicamente ex-titular da Secretaria do Patrimônio da União), Dr. Ciro (PTC), Pastor Gelson Ferraz (PRB) e Vitor Valim (sim, aquele mesmo que posa de bom-moço-indignado num terrível programa “policial” local). Para esses não tem desculpas, por mais que tentem. Se votaram contra ou se abstiveram é porque estão contra o povo e ao lado – e a serviço - dos especuladores e dos grandes grupos econômicos locais. Simples assim.
Aos que votaram a favor, nosso reconhecimento é devido. Parabéns, principalmente, aos cidadãos de Fortaleza. Uma luz tênue surge nas trevas do modelo republicano vigente, numa retomada, ainda que tímida, do espírito que o originou. Pelo menos por um dia, o poder foi, efetivamente, do povo.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Tempos sombrios

Realmente, vivemos tempos sombrios! A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas denota insensibilidade. Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia que está para chegar. Que tempos são estes, em que é quase um delito falar de coisas inocentes, pois implica silenciar tantos horrores? (Brecht)


O Superior Tribunal de Justiça editou recentemente três novas súmulas que envergonham os que acreditam na justiça: são as súmulas 379, 380 e 381.

Todas versam sobre direito bancário e seus respectivos contratos. E todas parecem ter sido redigidas pelos próprios banqueiros, pois representam seu “sonho dourado”.

Reproduzo-as aqui, com o antecipado pedido de desculpas àqueles que tem estômago fraco:

Súmula 379: “Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser fixados em até 1% ao mês”.
Súmula 380: "A simples propositura da ação de revisão do contrato não inibe a caracterização da mora do autor".
Súmula 381: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”.

A primeira súmula tapa o sol com a peneira. Aparentemente limita a aplicação de juros e combate a monstruosa voracidade das instituições financeiras mas, se lermos com mais calma, percebemos que tal impressão é uma miragem fugidia. Ora, os contratos bancários mais importantes e utilizados são regidos por legislação específica, como o de arrendamento mercantil (leasing), por exemplo. Ou seja: o STJ dá com uma mão e tira com a outra. Ponto para o lobby dos banqueiros!

A segunda súmula me deixou pasmo. Na verdade, fiquei realmente indignado com o que pode a força econômica fazer com o direito. Dobraram-no, violentaram-no, a ferro e fogo, até que ele se adequasse, completamente desnaturado de sua essência, aos interesses das grandes instituições financeiras, que já lucram bilhões de reais por ano. Ora, se o cidadão se vê violentado em seu direito diante de um contrato leonino, com cláusulas abusivas, que o impossibilita mesmo de honrar com suas obrigações contratuais, a quem ele deve (ou pelo menos deveria) recorrer senão ao Poder Judiciário? E com que intuito o faria senão o de demonstrar sua irresignação frente aqueles abusos e resguardar-se das penalidades da mora? Só que agora não dá mais. O contrato pode ser flagrantemente abusivo, mas até ser julgado o mérito da ação o pobre do consumidor terá de cumpri-lo pontualmente sob pena de incorrer em mora e dar causa a resolução do contrato com culpa. A saída é buscar a tutela cautelar demonstrando os requisitos necessários para a sua concessão, mas mesmo assim é indisfarçável a decisão do STJ foi redigida com a tinta da caneta dos banqueiros.

Agora, a que causa mais estranheza mesmo aos desacostumados com as lides jurídicas é a Súmula 381. Ela impede que o julgador identifique as cláusulas abusivas em um contrato se a parte não as apontar. Em outras palavras, a súmula obriga o juiz a se fazer de cego. Mesmo que a ilegalidade do contrato seja flagrante o magistrado tem que disfarçar e fazer de conta que não a viu. Risível, para não dizer surreal. Lançaram ao fogo o milenar brocardo latino “da mihi factum, dabo tibi jus” - exponha o fato e direi o direito. Aliás, lançaram ao fogo também o dispositivo legal que consagra a velha máxima latina, qual seja, o artigo 282, III, do Código de Processo Civil. Esqueceram (?) os ministros que o referido Código adotou a Teoria da Substanciação em oposição à Teoria da Individualização. Aquela dá mais importância aos fatos relatados que à relação jurídica invocada, sem engessar a pretensão autoral aos dispositivos legais citados expressamente em clara homenagem à instrumentalidade do processo.

Não me assusto mais com nada oriundo do Poder Judiciário brasileiro. Apenas me pergunto o porque de alguns ainda chamarem o STJ de “Tribunal da Cidadania”. A não ser que o termo cidadão, agora, seja sinônimo de agiota, banqueiro ou especulador financeiro.