quarta-feira, 11 de novembro de 2009

OS PIORES DEFEITOS DE UM JUIZ

“Se tivesse que decidir sem independência, de cabeça baixa, eu teria vergonha de continuar sendo juiz.” Ex-juiz Livingsthon Machado*
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Os dois piores defeitos de um juiz são a covardia e a desonestidade. Tanto um quanto outro geram uma incompatibilidade insanável com a importante função que desempenham. Vou dar um exemplo onde pelo menos o primeiro deles se manifesta frequentemente.
As "astreintes" são multas processuais impostas pelo juiz à parte que deixar de cumprir obrigação de fazer ou não fazer determinada numa decisão. São, pois, um meio de coagir a parte a obedecer a ordem judicial. São aplicadas por dia de descumprimento e previstas na própria decisão. Assim é que se determina, por exemplo, que uma construtora libere uma hipoteca que grava o imóvel vendido a um cliente em cinco dias sob pena de multa de R$ 500,00 por dia de descumprimento.
O grande problema é quando a multa é prevista mas o juiz não tem coragem de aplicá-la. Aliás, ontem um amigo me ligou informando seu caso particular. Uma empresa do setor financeiro (sempre elas!) inscreveram indevidamente o nome da sua cliente no cadastro de inadimplentes e foi compelida em decisão liminar que antecipou a tutela a retirá-lo em 72 horas sob pena de multa diária de R$ 100,00 no bojo de uma ação de indenização por danos morais. Passaram-se dois meses, intercalados por insistentes pedidos do seu patrono, sem que o banco cumprisse a ordem judicial. A multa acumulou-se no valor de pouco mais de R$ 6.000,00. Foi então que o advogado, cansado de tanto insistir em ligações para o Promovido, peticionou ao juiz requerendo a execução da multa. Como num passe de mágica, após tomar conhecimento do pedido, a empresa, finalmente, cumpriu a decisão. O magistrado "cancelou" a multa por considerar que a mesma atingiu um valor muito acima do razoável.
Ora, vamos analisar com calma a situação. Um grande banco descumpre descaradamente uma ordem judicial, mantendo a conduta que ensejou a ação e os danos causados à consumidora, por mais de dois meses e quem carece de razoabilidade é a multa que foi imposta para compeli-lo, sem sucesso, a cumprir a obrigação imposta pelo juiz? É razoável a atitude do banco? É razoável a leniência do juiz, o seu medo do poderio dos bancos ou de sua decisão ser cassada pela instância superior e "manchar" seu histórico de sentenças ratificadas pelo colegiado?
Esse tipo de atitude (ou falta dela) só depõe contra a independência e o respeito que todos devemos ao Judiciário. Fica a impressão clara que os grandes conglomerados capitalistas não estão sujeitos à lei e que o cumprimento das decisões judiciais decorre mais da necessidade de uma boa imagem institucional da empresa perante a sociedade (que mau exemplo seria o descumprimento de uma ordem judicial, não?), de um favor que eles fazem, do que da imperatividade da lei e da certeza de rigor por parte dos juízes.
É algo como a hipócrita tendência de alguns juízes de mitigarem o valor das indenizações por dano moral com vistas a combater a "indústria do dano moral". E a "indústria do desrespeito ao consumidor" como será barrada?
No caso dos astreintes a falta de coragem dos juízes parece ser um mal crônico e que grassa por todo o país. Porque então continuam a prever essa multas se não as aplicam quando é devido? Até quando o Poder Judiciário vai ser refém (com muitas exceções honorabilíssimas, como o brilhante e corajoso juiz Gerivaldo Neiva - gerivaldoneiva.blogspot.com) do lobby do poder econômico? Até quando vão castrar o idealismo, a coragem e a independência dos juízes que iniciam suas carreiras querendo fazer a coisa certa?
Urge que a sociedade se insurja para destruir a masmorra onde se encerram os mais altos valores que devem inspirar a mente e os corações de nossos magistrados, sob pena de ela mesma ser ali encarcerada.
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Para ler mais sobre o autor do texto citado em epígrafe, acesse a página http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3338/128/