quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O MAL E A CURA

"Nada é veneno, tudo é veneno. A diferença está na dose."
Paracelsus
"Ah, voltar de novo à vida! Lançar os olhos sobre nossas monstruosidades. E este veneno, este beijo mil vezes maldito! Minha fraqueza, a crueldade do mundo!"
Rimbaud - Noite no inferno
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Em fevereiro deste ano, por ocasião do 2º Encontro Nacional do Judiciário, os tribunais brasileiros aprovaram um conjunto de metas a serem alcançadas até o final de 2009, como esforço para a superação da crise de prestação jurisdicional eficiente que experimentamos.
Superada a Meta 01, que consistiu na criação e aprovação, por cada tribunal, de um plano estratégico plurianual, passou-se à Meta 02. Seu objetivo é nobilíssimo: “Identificar os processos judiciais mais antigos e adotar medidas concretas para o julgamento de todos os distribuídos até 31/12/2005 (em 1º, 2º grau ou tribunais superiores)”. Ocorre que o método para atingi-lo tem gerado prejuízos tão grandes quanto o problema que busca resolver.
Quem milita nos fóruns de nossa capital, principalmente no estadual, sabe do que estou falando: a Meta 02 é agora a desculpa da moda para a estagnação dos processos, para o péssimo atendimento aos advogados e para a indisponibilidade dos magistrados.
Se você pergunta a um serventuário da Justiça sobre aquele expediente que já está há três meses para ser feito, ele logo pergunta, incontinenti: “É processo da Meta 02”? Se não for, conformar-se é a única saída. Ou enfartar de raiva. Uma expressão de falsa solidariedade sempre surge no rosto do alegre funcionário que tem agora um bom escudo contra esses chatos que querem uma justiça célere. “’Tá pensando o quê? Parece que nasceu de sete meses!”, reflete, inolvidavelmente indignado.
Mas no final do mês, o dinheiro do contribuinte entra na sua conta, inevitavelmente. Para nós, advogados, o difícil é esperar pelos honorários que nunca vem porque o processo nunca acaba. Inevitável também é o aborrecimento do cliente quando seu patrono vai explicar tudo isso. Não lhe tiro a razão pois o absurdo da situação é digna do realismo fantástico de Garcia Márquez.
O que mais me espanta, no entanto, é o conformismo que grassa entre os operadores de direito. Pior do que isso só a falta de atitude do Tribunal de Justiça cujo silêncio eloqüente parece querer dizer: “não tenho nada a ver com isso; estou fazendo a minha parte”.
É postulado ancestral da cultura popular que uma doença grave requer um remédio amargo. Acontece que ele está matando o doente. E ninguém faz nada.

2 comentários:

Alexandre disse...

Calma, tudo estará resolvido quando o presidente Gilmar Mendes lançar a Meta 03. Claro que depois será necessário a Meta 04...
é incrível o cinismo em transformar um esforço extra em expediente normal, mas num país que faz graça vagabunda com um cadáver dentro dum carrinho de supermercado, respeito ao cidadão é troco

gerivaldoneiva disse...

Márcio,
Aqui em Coité fui obrigado a praticamente suspender o expediente externo para concentrar esforços no cumprimento da meta 2.
As audiências já foram suspensas desde outubro.
Você tem razão. Não se pode curar uma doença de décadas em poucos meses. O remédio pode se transformar em veneno.
E olhe que tem gente por aí defendendo punição para o Juiz que não cumprir a meta.
Abraço.