quinta-feira, 16 de abril de 2009

DIAS DE CHUVA

E regaram as flores
Do deserto
E regaram as flores
Com chuva de insetos (O Rappa)
Chove muito hoje. Não sei porque costumam qualificar de lindo um dia de sol, enquanto ao tempo nublado reservam tanto rancor. É lindo um dia chuvoso! É verdade que muitos temem pela própria vida quando chove torrencialmente como essa manhã. Esse é o caso dos moradores das áreas de risco.

Mas não estou falando desses e sim da classe média escrota de Fortaleza. Repito: que povo escroto! O dia de chuva, para esses, estraga-lhes o lazer no Beach Park. Para quem não é daqui eu explico: o Beach Park é um bom pedaço da praia que foi privatizado por uns caras, de forma que só quem paga pode entrar...na praia. É isso mesmo: eles compraram uma parte da praia. Mas terreno de marinha não é inalienável? Pois é, mas isso não é nada: o próprio ex-governador está construindo um monstro de concreto armado dentro do mangue, onde, aliás, ele também já tem um shopping. E isso me faz sair do meu devaneio e voltar ao assunto principal.

Na chuva, só resta àquela classe média escrota passear escrotamente nos shoppings e comprar coisas escrotas. Principalmente as mulheres gostam desse entretenimento salutar.

Perfumadinhas, muito pó na cara para esconder a herança tabajara, apetrechos mil para camuflar a proeminente cabeçorra, calças da moda compradas por uma fortuna de um lojista que as adquiriu de uma fábrica em Maracanaú por R$ 10,90 cada; elas passeiam pelos shoppings belíssimos da capital, torcendo o nariz para tudo, com o indisfarçável sotaque que não conseguiram amenizar, mesmo depois da temporada na Disney ou na Europa.

É verdade que nos finais de semana elas se soltam, enchem a cara e abrem as pernas para playboys da sua casta nos forrós “chiques” da cidade. Quem diria que um dia iriam copular ao som da mesma música apreciada pela empregadinha que elas exploram. A empregadinha engoma a roupa ouvindo Aviões do Forró e a patroazinha, bêbada, contorce-se de prazer tendo como fundo musical aquela mesma pérola. Que lindo! Que penetração social essa banda tem!

Por seu turno, os jovens machos dessa classe média escrota não gostam muito da chuva porque ela os impede de ir aos sambas-de-mesa que funcionam em ambientes descobertos, nos bairros nobres da cidade, onde uma latinha de cerveja costuma custar cerca de R$ 4,00. Aí eles vão pra casa de algum amigo e ficam fumando maconha enquanto a noite chega para irem fazer seus pegas em seus carrões “tunados”. Outra boa opção para a noite é ir arrumar confusão nas diversas boates da cidade ou naqueles mesmos forrós “chiques” que falei anteriormente.
Enfim, é uma beleza o cenário que vislumbramos em nossa provinciana Fortaleza. Tenho a impressão de que, daqui há algumas décadas, irão qualificar os tempos atuais como uma belle epòque. E como a verdade histórica raramente vence o lobby da versão mais bonitinha e menos ofensiva para a sociedade, ela será esmagada por esta última. Mas sempre haverá a filha daquela mucama, ainda refém do gueto onde viveu sua mãe, ouvindo a música brega enquanto passa a roupa do filho do patrão. E ela, com o orgulho incontido que só o conhecimento dos fatos pode dar, sorrirá um sorrisinho triunfante e sarcástico e pensará: “eu sei de tudo, seus escrotos, eu sei...”

4 comentários:

Alexandre disse...

Quando garoto, saía para tomar banho de chuva, hoje, trintão, não faço mais isso, não porque não queira, mais o lixo acumulado nas ruas, torna imunda a água que caí límpida do céu. De muitas formas é isso que a cidade faz com algo tão belo como um dia de chuva.
A chuva renova a vida, mas não num,lugar que escolheu o carro e asfalto, no lugar da pessoa e do verde. Limpa, mas não onde tem sujeira acumulada. Convida ao recolhimento, com aqueles que nos são queridos, e o autoconhecimento, só que com pode ser assim num local em que todos são estranhos, ou meros servidores para o prazer egoísta. Como conviver consigo mesmo se o sujeito não passa de uma casca oca.

Júnior Bonfim disse...

Mestre Márcio:

Fiquei contente ao lhe identificar blogueiro. Parabéns!

Como já conheces o meu sítio, fique à vontade para marcar um encontro.

Um grande abraço!

Júnior Bonfim

Jorge Tarik disse...

Rapaz, que bom acordar e, com a barriga cheia dos pães obrigatórios num café cearense, me deparar-me a mim mesmo (!) com essa surpresa. Márcio, meu compadre, você é peça rara. Não sei se a minha visão da tua classe trabalhadora é deturpada, mas cada traço de humanismo, de virtuosidade que vejo em ti me surpreende. Tu não escreve como advogado, não pensa como advogado, não age como tal. Pelo menos não do jeito que acho que advogado escreve, pensa e age. É cúmplice ler em ti uma percepção sã desse mundo, livre - ou quase, como todos nós - dos vícios de poder que assaltam a nossa comunidade. É como ver triunfar a vontade de paz, às vezes suja e feia, num meio maculado pelo charme belo e limpo da vida dos injustos. Tu não se rende aos artifícios suntuosos e vazios da tua Ordem. E isso me identifica contigo. Isso que me levou a ler o blog de um advogado, mesmo não gostando da maioria dos blogs e advogados que conheço. E gostei, especialmente da descrição simples e certa de nós mesmos. Gostei muito, mesmo, a ponto de querer visitá-lo novamente, o que não me atrevo a prometer, porque me conheço. Rá, muito boa a ‘penetração social’ dos Aviões do Forró! Coisa simples e verdadeira e, por isso, dificilmente percebida. Fantásticos os prognósticos históricos do último parágrafo! Adorei, hahah...muito perspicazes. És um visionário, homem! E é triste ter que concordar contigo. Mas, se o filme está certo e todo coração é uma célula revolucionária, tudo o que a gente precisa é continuar a caminhada na velocidade que podemos. Quem sabe um dia a gente possa parar. Abraço, meu caro.

Paulo Vinicius disse...

Maravilhoso o poema do Brecht.Que alegri reencontrá-lo, e que alegria saber que você debate a sua vinda. O Partido parece com você, camarada!Um abraço.